segunda-feira, fevereiro 22, 2016

OS FILMES DE 2015: A QUEDA DE WALL STREET


A QUEDA DE WALL STREET

Julgo que uma das habilidades dos banqueiros e do mundo da alta finança foi criar uma terminologia técnica de tal forma cerrada que poucos a dominam. Quem detém a entrada nesse universo onde imperam swaps, subprimes, agências de rating, taxas de juros, bolhas imobiliárias, hipotecas, alavancagens, singles tranches, moratórias, seguros, e muitas outras palavras e expressões de difícil significado, detém o poder e não o quer ver disseminado. Vem do tempo de “O Nome da Rosa” e do poder armazenado numa biblioteca onde só os eleitos penetravam. Hoje em dia as torres são as das Wall Streets de todo o mundo, onde se cozinham as negociatas que engordam os magnates, os banqueiros e os aldrabões de todo o género, e que depois a arraia miúda vai pagar por ter andado a “viver acima das suas posses”.
O caso de “The Big Short”, que Adam McKay realizou, e escreveu de colaboração com Charles Randolph, adaptando a obra de Michael Lewis, “The Big Short: Inside the Doomsday Machine”, é um bom exemplo para se desmistificar toda esta engrenagem que provocou o grande colapso bolsista e bancário de 2008, cuja crise se arrasta até hoje e que não sabemos bem quando irá acabar, se não for pelo contrário essa crise a acabar connosco. O filme joga com toda essa terminologia e para leigos na matéria (como eu), o risco parece grande de início. Mas cedo realizador e argumentista nos apaziguam a angústia. Estamos aqui para perceber como se forjou o grande golpe financeiro e, apesar de toda a areia para os olhos, compreende-se o essencial.  
Na verdade, trata-se de banditismo ao mais alto nível, daquele que altas figuras na hierarquia social praticam e do qual saem ilesas, sendo os prejuízos pagos pelo cidadão comum, que vai pagando aos bancos os prejuízos e as ameaças de falência com os impostos que crescem desenfreadamente com a justificação de que o estado social não se aguenta como tal, nas actuais condições. Claro que os bancos e as bolsas essas aguentam-se muito bem. “Ai aguentam, aguentam!”


Este filme baseia-se em factos reais ainda que ficcionados. Fala de personagens fictícios, mas existiram outras, com outros nomes, que fizeram mais ou menos o mesmo. Michael Burry (Christian Bale) é dono de uma media empresa norte-americana que decide investir na bolsa num fundo que coordena o sistema imobiliário nos EUA, prevendo que o mesmo venha a colapsar. É jogar ao contrário do habitual. Apostar no falhanço, tal como “Os Produtores”, de Mel Brooks, o fazia, mas aí numa produção teatral. Sabendo deste invulgar investimento, o corretor Jared Vennett (Ryan Gosling) aproveita a boleia e passa a oferecê-la a seus clientes, entre os quais Mark Baum (Steve Carell), dono de uma corretora em dificuldades. Entretanto, um especialista em questões financeiras, Ben Rickert (Brad Pitt), é igualmente convocado para a geringonça.
Michael Lewis, hoje conceituado jornalista e escritor, com 24 anos foi contratado pelo banco Salomon Brothers. Era bem pago, percebia muito pouco de actividade bolsista, mas começou a descortinar o que se passava nos bastidores da banca. Três anos depois demitiu-se e escreveu o "Liar’s Poker", onde relatava as suas experiências. Nessa altura tinha a certeza de que o colapso iria surgir. Esperou até 2007, quando descobriu que muitos investidores estavam a apostar tudo na queda do sistema, na desvalorização do imobiliário e na desregularização do mercado subprime.
Tirar daqui um filme que se acompanha como uma investigação policial, cheia de ironia e de invenções narrativas, é obra. O argumento terá de ser controlado ao milímetro, a montagem tem de ser ritmada e nervosa, sem, no entanto, cair do sufoco para o espectador, as interpretações convêm que sejam eficazes e, se possível, notáveis para credibilizarem as personagens. A realização terá que controlar tudo isto e mostrar alguma agilidade. “A Queda de Wall Street” consegue tudo isso, e temos que creditar boa parte do sucesso a um pouco conhecido Adam McKay, que vem da comédia e de “Saturday Night Live”, companheiro de Will Ferrer em varias comédias, actor, argumentista e realizador pouco visto fora dos EUA e que neste seu primeiro trabalho de grande folego não deixa de espantar. Na verdade, a forma como constrói “The Big Short” é invulgar, intercalando diferentes tipos de narrativas, actores falando para a câmara ou figuras vip da sociedade internacional (como a actriz Margot Robbie, a cantora e actriz Selena Gomez, o prémio Nobel de economia Richard Thaler, o gastrónomo Anthony Bourdain…) a explicarem terminologia técnica e conceitos mais difíceis de controlar. O resultado é surpreendente, mas funciona como um puzzle bem-humorado, inteligente e particularmente ácido para os visados.
Aí está, pois, pronto a disputar os Oscars, com cinco nomeações: Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Actor Secundário (Christian Bale) e Melhor Montagem. Tudo nos diz que não virá de mãos a abanar. É um forte candidato.


A QUEDA DE WALL STREET
Título original: The Big Short

Realização: Adam McKay (EUA, 2015); Argumento: Charles Randolph, Adam McKay, segundo obra de Michael Lewis; Produção: Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Kevin J. Messick, Arnon Milchan, Brad Pitt, Louise Rosner; Música: Nicholas Britell; Fotografia (cor): Barry Ackroyd;  Montagem: Hank Corwin; Casting: Kathy Driscoll, Francine Maisler; Design de produção: Clayton Hartley;  Direcção artística: Elliott Glick; Decoração: Linda Lee Sutton; Guarda-roupa: Susan Matheson; Maquilhagem: Michelle Diamantides, Julie Hewett, Adruitha Lee, Annabelle MacNeal, Pamela S. Westmore; Direcção de Produção: Teddy Au, Lisa Rodgers, Louise Rosner; Assistentes de realização: Matt Rebenkoff, Amy Lauritsen, Pamela Monroe, Josh Muzaffer, Cali Pomes; Departamento de arte: Chris Arnold, Joe Bergman, Randall S. Coe, Jann K. Engel, Harrison Hartley, John Herbert, Lisa Kutyreff, K. Emily Levine, Wright McFarland; Som: Andrew DeCristofaro, Becky Sullivan; Efeitos especiais: Michelle Dickson, Drew Jiritano; Efeitos visuais: Sumriti Bhogal, Richard Bluff, Paul Linden, Mare McIntosh; Companhias de produção: Plan B Entertainment, Regency Enterprises; Intérpretes: Christian Bale (Michael Burry), Steve Carell (Mark Baum), Ryan Gosling (Jared Vennett), John Magaro (Charlie Geller), Finn Wittrock ( Jamie Shipley), Brad Pitt (Ben Rickert), Hamish Linklater (Porter Collins), Rafe Spall (Danny Moses), Jeremy Strong (Vinny Daniel), Marisa ( Cynthia Baum), Melissa Leo (Georgia Hale), Stanley Wong (Ted Jiang), Byron Mann( Wing Chau), Tracy Letts (Lawrence Fields), Karen Gillan (Evie), Max Greenfield, Margot Robbie, Selena Gomez, Richard Thaler, Anthony Bourdain, etc. Duração: 130 minutos; Distribuição em Portugal: NOS Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 14 de Janeiro de 2016.

Sem comentários: