quarta-feira, fevereiro 06, 2013

OS CINEMAS DE LISBOA

 

DOS FILMES E DAS SALAS
ONDE ELES SE VÊEM (E SE VIAM)
Neste momento encontram-se em exibição em salas de cinema portuguesas vários filmes de grande qualidade, a maioria dos quais norte-americanos, o que se compreende por esta ser uma regra geral na nossa exibição (não a qualidade, mas o facto dos filmes serem anglófilos), acrescida do facto de nos encontrarmos em vésperas de atribuição de Oscars. Nesta altura do ano costumam acumular-se os filmes nomeados, o que mais uma vez acontece.

“Lincoln”, de Steven Spielberg, “Django Libertado”, de Quentin Tarantino, “00,30 – A Hora Negra”, de Kathryn Bigelow, “Argo”, de Ben Affleck, “Guia para um Final Feliz”, de Davi O. Russell, “Amor”, de Michael Haneke são obras a ver sem hesitação. Mas há mais a considerar: “Os Miseráveis”, de Tom Holland, “A Vida de Pi”, de Ang Lee, são outras hipóteses, com algumas reticências. Acrescente-se-lhes duas estreias recentes, “Bárbara”, de Christian Petzold, e “Seis Sessões”, de Bem Levin. Há muito por onde escolher, e para todos os gostos, do western à comédia, do drama ao filme histórico, do filme de amor trágico ao musical.

Para ver todos estes filmes, porém, hoje em dia há várias hipóteses. Vê-los directamente numa sala de cinema, esperar algum tempo e assistir a eles na poltrona da nossa sala de estar, através de um DVD, de um canal de televisão generalista ou por TV por cabo, ou ter o privilégio de os ver antes de todos os outros sem pagar nada, fazendo um download pirata, via internet. Mau costume é certo, mas uma realidade que não se pode escamotear.

Ver filmes tornou-se, portanto, uma actividade que pode ser levada a cabo através de várias vias. O que não acontecia, por exemplo, nos anos 40 do século passado. Por isso não se pode dizer que a indústria cinematográfica, no que diz respeito à produção, esteja em crise. Em crise estará seguramente a exibição, e, em certa medida, a distribuição (ainda que, neste campo, a associação que existe muitas vezes entre distribuição cinematográfica e edição de DVD atenue ligeiramente a crise no sector).

Por isso, o recente anúncio do encerramento de quase 50 salas no nosso país justifica curiosas, complexas e até contraditórias considerações. São essas salas exemplos arquitectónicos a lamentar? Na maioria dos casos são multiplexes no interior de centros comerciais sem nada que as faça recordar com nostalgia. Eram salas especialmente vocacionadas para cinema de qualidade? Nem por isso. Eram salas comerciais, que faziam negócio, ou, neste caso, deixaram de fazer negócio. Por isso encerram. Leis do mercado concorrencial e da competição desenfreada, portanto, que tanto entusiasma os neo-liberais que nos governam. Eles que se entendam!

Claro que se lamenta que as populações fiquem sem salas onde vejam cinema. Tanto mais que os prejudicados são os poucos que ainda iam ao cinema. Mas tudo isto são consequências de novas tecnologias que não recuam e de hábitos que se perdem e se trocam por novos usos e costumes.

No entanto a memória dessas belas salas de outrora fica para sempre e um livro como “Os Cinemas de Lisboa”, de Margarida Acciaiuoli, numa edição Bizâncio, com 384 páginas de evocações, não pode deixar de nos entusiasmar. A obra tem uma característica que a torna diferente de todas as que até agora se publicaram sobre o mesmo tema: privilegia a arquitectura das salas e enquadra-as na urbanização da cidade. Fala-nos das diferentes épocas e define-as através dos espaços e da relação da sala de cinema com a sua envolvência urbana e humana. Não observa só as salas de cinema, mas a sua conexão com cafés e snacks, com avenidas e estreitas ruas, com o centro da cidade e os bairros periféricos. Recorda as grandes salas, os templos dessa liturgia do século XX, que, para a autora, as viu nascer, as viu explodir na sua magnificência e as viu morrer de morte lenta. Ali se recorda os tempos gloriosos do Monumental e do Império, do São Luís e do Alvalade, do Chiado-Terrasse, do Tivoli, do Éden e tantos outros. Na obra se lembra como ir ao cinema era um acto elegante, que merecia indumentária apropriada, e também um acto social, ia-se para ver e ser visto, para se confraternizar. As grandes salas de cinema foram desaparecendo da cidade e, hoje, vai-se ao cinema nos centros comerciais, no intervalo de umas compras. A história deste percurso é feita de modo notável, pela autora, numa obra onde o rigor caminha a par das memórias afectuosas que todos temos em relação àquela especial sala de cinema que fez a delicia da nossa adolescência, onde vimos os títulos que nos marcaram para sempre, ou onde se namorou, sim porque no escuro da sala de cinema não se viam só os filmes. Também se inventaram muitas histórias de amor feliz ou melodramas de desencontros funestos.

Margarida Acciaiuoli é professora de História de Arte no Instituto de Ciências Sociais e Humanas e tem atrás de si uma importante obra dedicada à arte portuguesa dos séculos XIX e XX, com volumes sobre o pintor Fernando Lemos (ver aqui: Fernando Lemos) (2006, Editorial Caminho) ou as Exposições do Estado Novo (ver aqui: Exposições do Estado Novo) (1998, Livros Horizonte). Da autora espera-se mais sobre o mesmo tema.

Sem comentários: