sábado, maio 19, 2012

CINEMA: UMA TRAIÇÃO FATAL


UMA TRAIÇÃO FATAL
Steven Soderbergh é um realizador com quem simpatizo bastante, desde os tempos de “Sexo, Mentiras e Vídeo” (1989). Em cada seu filme sente-se o prazer do cinema, quer sejam obras decisivamente pessoais, mais experimentais, quer se trate de outras mais “comerciais”, mas ainda assim muito marcadas pelo seu estilo. Depois, é um “faz tudo” e faz tudo bem, escreve, realiza, produz, fotografa, monta, etc, etc. e não pára de trabalhar. Chega aos três filmes por ano: em 2011, realizou “The Last Time I Saw Michael Gregg”, “Contágio” e “Uma Traição Fatal”, não falando noutras actividades suas como produtor (ainda em 2011 produziu para outros realizadores “Roman Polanski: Odd Man Out”, “Temos de Falar Sobre Kevin” e “His Way”).
“Uma Traição Fatal” vem na linha da sua série “Ocean's Eleven - Façam as Vossas Apostas” (2001), “Ocean's 12” (2004) e “Ocean's 13” (2007), procurando erguer uma obra de acção intensa, sem grandes preocupações de plausibilidade, jogando no divertimento pelo divertimento. O argumentista Lem Dobbs (o mesmo de “Kafka” e “O Falcão Inglês”, ambos de Soderbergh, e ainda de “Sem Saída” ou de “Cidade Misteriosa”) acompanha a peregrinação de uma espia norte-americana, “não oficial”, Mallory Kane (Gina Carano) que nos é apresentada nas imagens iniciais num café de estrada, onde é vítima de uma cilada engendrada pelo traidor inglês Kenneth (Ewan McGregor), que terá sido seu marido no passado. Foge num carro pedido de empréstimo a um estupefacto Scott (Angarano), a quem depois se entretém a contar parte da sua movimentada vida, introduzida em flashbacks no filme. Depois tudo é cada vez mais confuso e caótico, percebendo-se que anda ao serviço de um americano de nome Coblenz (Douglas) que a tinha enviado a Barcelona, e depois a Dublin, em parceria com um agente da MI6, Paul (Fassbender), tudo isto resvalando de emboscada em emboscada e de demonstrações de artes marciais em demonstrações de artes marciais, que só têm um fito: a vingança e a limpeza do nome de Mallory, filha de um retirado escritor a viver no México. Deve acrescentar-se que, em questões de limpeza, Mallory Kane é um ás, não fosse a simpática Gina Carano uma expert em artes marciais e cenas de pancadaria avulsas, levando tudo à frente, a solo ou em grupo, só com punhos ou contra gangs armados de metralhadoras. Uma espécie de “Kill Bill”, de Tarantino, mas sem metade da graça, ainda que a narrativa esteja sempre à altura do estilo fluído e elegante de Soderbergh. Acontece, porém, que o exercício é desconcertantemente desmiolado e oco, parecendo que roda no vazio, sem âncora a que se agarrar. Saltitando de cidade em cidade, de país em país, qual guia turístico com roteiro para cumprir, a aventura acaba por aborrecer um pouco, que nem a fotografia de Peter Andrews (pseudónimo de próprio Soderbergh), nem a montagem de Mary Ann Bernard (outra vez Soderbergh sob disfarce) logram minimizar. 
Saúde-se, no entanto, a vedeta da companhia, bonita e destemida, a ameaçadora Gina Carano, que relembra a já mítica Lisbeth Salander, de “Millenium”, o que deixa adivinhar uma nova geração de heroínas a povoar o cinema contemporâneo. Mulheres fatais (mas muito diferentes das antigas mulheres fatais do “film noire”) que conduzem o seu próprio jogo depois de fustigadas por sucessivos desencantamentos e traições masculinas. Gina Carano tem tudo para regressar mais vezes e ser bem-vinda.
“Haywire” não é um mau filme, mas sabe a muito pouco, sobretudo assinado por Soderbergh, e mesmo um entretenimento sem pretensões merece um pouco mais. Como a série “Ocean's Eleven” o demonstrava.
Além de Gina Carano, andam por aqui ainda Michael Fassbender, Ewan McGregor, Michael Douglas, Antonio Banderas, Bill Paxton, Mathieu Kassovitz, entre outros, pouco mais do que a facturar uns milhares de dólares.
UMA TRAIÇÃO FATAL
Título original: Haywire
Realização: Steven Soderbergh (EUA, Irlanda, 2011); Argumento: Lem Dobbs; Produção: Ken Halsband, Gregory Jacobs, Alan Moloney, Michael Polaire, Tucker Tooley; Música: David Holmes; Fotografia (cor): Peter Andrews (Steven Soderbergh); Montagem: Mary Ann Bernard (Steven Soderbergh); Casting: Carmen Cuba; Design de produção: Howard Cummings; Direcção artística: Iñigo Navarro; James F. Oberlander, Anna Rackard; Decoração: Barbara Munch; Guarda-roupa: Shoshana Rubin; Maquilhagem: Marie Larkin, Michelle Vittone; Direcção de Produção: Julie M. Anderson, Nicos Beatty, Noëlette Buckley, Bernat Elias, David Kirchner, Michael Polaire; Assistentes de realização: Jim Corr, Catherine Dunne, Eric Glasser, Gregory Jacobs, Jody Spilkoman; Departamento de arte: Robert J. Carlyle, Amahl Lovato, Roberta Marquez Seret, Chad Owens, Schuyler Telleen, Schuyler Telleen, Pilar Valência; Som: Andrew Felton, Thomas W. Jordan, Edwardo Santiago, Dennis Towns; Efeitos especiais: Ron Bolanowski, Kevin Hannigan, Juan Ramón Molina; Efeitos visuais: John Kennedy, Tim Morris; Companhias de produção: Relativity Media, Bord Scannan na hEireann / Irish Film Board / The Irish Film Board; Intérpretes: Gina Carano (Mallory Kane), Michael Fassbender (Paul), Ewan McGregor (Kenneth), Michael Douglas (Coblenz), Antonio Banderas (Rodrigo), Bill Paxton (John Kane), Mathieu Kassovitz (Studer), Julian Alcaraz (Victor), Eddie J. Fernandez (Barroso), Lluís Botella Pont (Helpful Guy), Aaron Cohen (Jamie), Maximino Arciniega (Gomez), Anthony Brandon Wong (Jiang), James Flynn, Karl Shiels, Bobby Burns, Al Goto, R.A. Rondell, John Wylie, Todd Thatcher Cash, Edward A. Duran, Derick Pritchard, J.J. Perry, Michael Angarano, Debby Lynn Ross, Tim Connolly, Natascha Berg, etc. Duração: 93 minutos; Distribuição em Portugal: Atalanta Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 10 de Maio de 2012.

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