sábado, abril 16, 2011

TEATRO: AS TRÊS IRMÃS

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 AS TRÊS IRMÃS
Depois de “Platonov” (2008), e de “A Gaivota” (2010), Nuno Cardoso encerra o ciclo dedicado a Anton Tchekhov, fechando a trilogia com a encenação de “As Três Irmãs”, uma das obras mais célebres e mais representadas do dramaturgo russo, um dos expoentes do teatro moderno do século XIX. Em jeito pessoal, devo confessar que este é um dos meus autores preferidos. Julgo que a forma como analisa certos microcosmos da sociedade e das relações humanas nunca foi superada em teatro. “As Três Irmãs” é um óptimo exemplo disso: três irmãs, herdeiras órfãs de uma aristocracia rural em decadência, vivem perdidas nos confins gelados da Rússia. Sonham com Moscovo, a cidade, a metrópole, a aventura, o improvável. Uma vai dando aulas, outra casou com um bom homem que a não satisfaz, outra, a mais nova, quer trabalhar e sonhar com Moscovo. Os tempos estão a mudar. Nas reuniões que todas as noites promovem em sua casa, os militares que as visitam falam e filosofam sobre a natureza humana que para uns é imutável e para outros se vai aprimorando. Um deles chega mesmo a afirmar, convicto, de que agora elas as três são apenas um exemplo, mas que, amanhã, o número se multiplicará e a Humanidade viverá feliz. Não é todavia o que a peça demonstra, pois um a um os sonhos vão morrendo, Moscovo está cada vez mais longe e a felicidade não é decididamente daquele mundo. E o que vem aí não deixa também muitas dúvidas: o irmão de Olga, Macha e Irina perde-se de amores por uma recém chegada, sem escrúpulos e com febre de subir na vida, com quem casa e que lentamente toma conta da família e impõe a sua nova ordem. Serão estes os novos tempos que se adivinhavam na Rússia de fim do século XIX, início do XX? O desespero e o desencanto, a angústia que sobra desta peça genial não deixa margens a muitas dúvidas, por muito optimistas que possam parecer algumas frases finais.
Trata-se de um texto primoroso que é conveniente nunca abastardar com encenações descuidadas ou provocações inúteis. O que mais se vê por aí, em palcos portugueses, são elencos que nem sequer sabem “dizer” um texto. Actores que comem as palavras, com uma dicção impossível, que nem num balcão de atendimento público se safavam, mas que tentam a sua sorte nos palcos, impunemente. Primeira vitória deste elenco de Nuno Cardoso: irrepreensível. Terá os seus altos e baixos quase imperceptíveis, mas globalmente é de uma segurança (e talento) notável. O texto é belissimamente reproduzido, interiorizado, vivido.
Segundo trunfo desta encenação: procura recriar o texto de Tchekhov sem nunca o destruir. A encenação é brilhante nalguns momentos, discutível aqui e ali (sobretudo na abertura, com a coreografia, para mim excessiva, do bailado das irmãs e das cadeiras), mas sempre inteligente, tentando dar uma nova forma mas procurando que esta seja sempre coerente com o texto e as suas intenções, e sublinhando bem a sua contemporaneidade. É de um tempo de crise que se fala, é de pessoas à deriva por entre cadeiras que assinalam lugares, pontos, referências, símbolos. A encenação é neste aspecto criativa e estimulante, oferecendo momentos de grande intensidade dramática e de incentivadora originalidade. A forma como Nuno Cardoso encena o duelo é particularmente brilhante, mas há muitos outros momentos brilhantes num espectáculo que é, todo ele, imperdível.
A tradução de António Pescada do texto de Techekhov é muito boa. A cenografia de F. Ribeiro é verdadeiramente notável, pela instabilidade que cria num palco desenhado em suaves colinas. Os figurinos de Storytailors são igualmente excelentes, bem como o desenho de luz de José Álvaro Ribeiro. O elenco é constituído por Daniel Pinto, Isabel Abreu, João Grosso, José Neves, Luís Araújo, Manuel Coelho, Maria Amélia Matta, Maria do Ceú Ribeiro, Micaela Cardoso, Sara Carinhas, Sérgio Praia, Tonan Quito, Vitor d’ Andrade. Lamentavelmente o programa não apresenta o elenco com a identificação de personagens e assim só me permito destacar os que conheço (erro meu, eu sei!), Sara Carinhas, Isabel Abreu, Maria Amélia Matta, João Grosso, muito bem.
Se gosta de teatro, não perca estas “Três Irmãs”, até 22 de Maio na sala Garrett do D. Maria II. É um prazer ver teatro assim. Em português. 


AS TRÊS IRMÃS
“As Três Irmãs”, de Anton Tchekhov; tradução: António Pescada; encenação: Nuno Cardoso; assistência artística e movimento: Victor Hugo Pontes; cenografia: F. Ribeiro; figurinos: Storytailors; desenho de luz: José Álvaro Correia; desenho de som: Rui Dâmaso; Intérpretes: Daniel Pinto, Isabel Abreu, João Grosso, José Neves, Luís Araújo, Manuel Coelho, Maria Amélia Matta, Maria do Ceú Ribeiro, Micaela Cardoso, Sara Carinhas, Sérgio Praia, Tonan Quito, Vitor d’ Andrade. Uma co-produção TNDM II e AO CABO TEATRO; Classificação etária: M/12 anos; Sala Garrett, de 14 de Abril a 22 de Maio 2011.

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