quinta-feira, dezembro 30, 2010

UM ÓPTIMO 2011!

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DESEJOS DE UM ÓPTIMO 2011
Calculo que seja mais fácil retirar um coelho de uma cartola,
do que fazer de 2011 um óptimo ano.
Mas vale a pena sempre desejar e tentar.
(Imagem do filme "O Mágico", de Sylvain Chomet)

segunda-feira, dezembro 27, 2010

CINEMA: INSIDE JOB

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INSIDE JOB - A VERDADE DA CRISE
 
De há muitas décadas a esta parte que, ao longo da história do cinema,  se vai exercitando um sub-género que goza de grandes simpatias entre os espectadores de obras de acção: os filmes de assaltos a bancos. É uma categoria de um género mais vasto, o filme de assalto, conhecido em inglês por “heist film”. Quase sempre acabam mal para os assaltantes, mas o público acompanha com sofreguidão o seu desenrolar, na esperança de que “seja desta” que se sinta vingado, e que os assaltantes levem a melhor sobre a instituição. Mas ultimamente, o “heist film” parece criar uma nova categoria, o filme de assalto do banco. Sim, isso mesmo: o assalto é levado a cabo pelo próprio banco e as vítimas são obviamente os seus clientes e a população em geral.
Esta é uma prática há muito radicada na realidade, mas que só agora tem conseguido furar o bloqueio e aparecer nas telas. Uma vez por outra vimos obras onde pequenos agiotas bancários faziam umas trapaças e eram por elas vagamente punidos, mas agora chegámos à fraude a nível global. Já tinha havido um ensaio em grande estilo, em finais dos anos 20, nos EUA, com o “crash de 1929” e a crise financeira, económica, política e social que se prolongou por décadas, agora tivemos um replay actualizado, que se iniciou em 2008 e vai durar seguramente décadas também.
“Inside Job – A Verdade da Crise, é um trabalho investigado, escrito, produzido e realizado por um norte-americano, Charles Ferguson, que está longe de se poder considerar um comunista ou um terrorista primário, daqueles que fazem filmes enrolados em granadas ou carregados de bombas dos pés à cabeça. No entanto, o seu filme é um trabalho de minúcia e precisão, que explode frente aos olhos dos espectadores a cada nova exibição.
Com uma investigação de dados e de testemunhos impressionante, com clareza e eficácia de analise e de exposição, servindo-se de entrevistas e gráficos, de documentos e imagens de arquivo, Charles Ferguson mostra-nos o que aconteceu a nível da economia global para se dar a crise que começamos a atravessar desde 2008. Tudo se passou a nível dos grandes centros financeiros de Wall Street, com a conivência de muitos outros centros financeiros por todo o mundo, movidos pela ganância de os milionários quererem ser mais milionários, não olhando a meios para o conseguir. Com a entrada em cena do cowboy Reagan na presidência dos EUA, em plena década de 80, o capitalismo desenfreou-se numa corrida ao lucro fácil com as economias dos outros.
Desde 1929, e durante algumas décadas, inicialmente por imposição da administração Roosevelt, a actividade bancária foi estando mais ou menos condicionada, não se permitindo operações de grande risco, para não pôr em causa a solvência das instituições, logo o capital dos seus depositantes. Mas, depois de Reagan, o regabofe recomeçou, e a “economia de casino” expandiu-se, agora apoiada em casinos virtuais, com a maioria das acções a ser efectuada via internet, ao mesmo tempo que aumentava a bolha imobiliária, e se estimulavam os sonhos dos americanos médios (a quem vendiam a crédito casas que sabiam que eles não poderiam jamais pagar).
Com uma habilidosa e ardilosa engenharia financeira, de venda e revenda de empréstimos, que iam deixando cair pelo caminho apetecíveis percentagens com que se foram abotoando os tubarões do costume, o gráfico da insanidade financeira foi engrossando entre 2006 e 2008, até explodir: bancos falidos, companhias de seguros descapitalizadas, indústria em crise, desemprego a subir em flecha, George W. Bush de olhar vítreo a sair de cena, e milhões e milhões de cidadãos que nada fizeram para sofrer esta crise, viram-se, de um dia para o outro, sem poupanças, sem casas, sem futuro. Mas os administradores dos bancos e das companhias de seguros, as agências de rating e os professores universitários de economia, que foram e são conselheiros de bancos e do governo, esses continuaram a embolsar chorudas recompensas pelo trabalho feito. Finalmente, na história do cinema, o “roubo perfeito”. Acontece que “Inside Job” não é ficção, é a realidade retratada em documentário, que apela à inteligência do espectador e dói de ver.
Este terá sido um dos piores crimes da história do mundo. Sem culpados, apesar de todos lhes conhecermos os nomes. Estas operações criminosas eram avalisadas pelas tais agências de rating, que colocavam AAA em operações da mais pura falcatrua, com professores universitários a venderem opiniões positivas, com banqueiros conluiados, e com os papalvos do costume a entrar com as poupanças. Enquanto milhões sofrem na pele a desgraça que não provocaram, vivem em barracas depois de terem sido despejados das suas casas, enquanto outros pagam impostos exorbitantes e são despedidos dos empregos, estes nababos da trafulhice financeira multiplicam casas sumptuosas, engrossam contas em paraísos fiscais, snifam cocaína, coleccionam jactos e iates privados, e brincam com prostitutas de luxo, tudo pago com cartão do banco e em nome do interesse da empresa que tão bem administram.
O filme organiza-se em quatro tempos, ou capítulos, que procuram responder a algumas perguntas: Como foi possível chegar-se a esta crise infame? Onde se encontram as raízes deste descalabro? Quem são os culpados? Que foi feito ou que há a fazer para debelar a crise?
A narração é do actor Matt Damon e oferece-nos uma visão dantesca deste novo inferno. O realizador Charles Ferguson tem formação em Matemáticas, sendo doutorado em Ciências Políticas. No cinema, estreou-se em 2007, com um documentário sobre a guerra do Iraque, “No End in Sight”. O seu inquérito é sóbrio e rigoroso, não tem paralelo com os trabalhos de Michael Moore, estes muito mais de “agit prop”. Ferguson questiona quem tem a questionar, uns aceitam responder, outros recusam o depoimento, um anuncia que só concede mais três minutos, dois ou três gaguejam sem palavras, e há mesmo um que pede para desligarem a câmara. Arrependimento ou vergonha é coisa que não existe. Um alto dignitário deste (i)mundo financeiro chega mesmo a declarar que a culpa é do governo que não controla: “Nós somos gananciosos, não podemos deixar de o ser. O governo é que tem de nos controlar.”
Uma espiral de acrobacias que nos leva a um final surpreendente. Porque é que um engenheiro financeiro ganha quarenta vezes mais do que um engenheiro civil?, pergunta um dos entrevistados, que acrescenta: “Um engenheiro civil constrói pontes. Um engenheiro financeiro oferece-nos sonhos.”
Num mundo virtual, estes “sonhos” são afinal a essência do nada. Por que se paga muito dinheiro para se chegar à extrema penúria. Vendem-nos, portanto, uma mão cheia de nada, enriquecem com as nossas economias em jogos de monopólio cujas regras só eles conhecem, e quando explodem são as nossas cabeças que rolam. Ganância. Curioso jogo este.
É obvio que a revolta cresce ao ver um filme como este. À saída não há dúvidas: há que alterar este estado de coisas. Uma revolução sangrenta? Já se sabe o resultado: mudam os gananciosos e fica tudo na mesma ou pior ainda (em qualquer ditadura revolucionária nem este filme vinha à luz do dia). Mas criar uma zona de independência total entre a esfera política e a financeira é absolutamente indispensável, impondo-se a esta um controle absoluto. Para nosso grande desgosto, a administração Obama pouco tem feito, apesar de ter feito alguma coisa. Mas muitos dos responsáveis pelo colapso de 2008 estão agora como colaboradores da Casa Branca. “Inside Job”.

Nota: Devia ser obrigatório todo o cidadão ver este filme, mas mais ainda os nossos governantes, desde o PR ao PM, passando por todos os Ms, mais deputados e partidos de todas as cores. Comentadores políticos incluídos. Os banqueiros não vale a pena incomodarem-se. Talvez os bancários. Quem sabe? Talvez seja deles o reino dos céus.
INSIDE JOB - A VERDADE DA CRISE
Título original: Inside Job
Realização: Charles Ferguson (EUA, 2010); Argumento: Chad Beck, Adam Bolt; Investigação: Carola Mamberto, Kalyanee Mam, Christopher Murphy, Rosemary Rotondi; Produção: Charles Ferguson, Jeffrey Lurie, Kalyanee Mam, Audrey Marrs, Anna Moot-Levin, Christina Weiss Lurie; Música: Alex Heffes; Fotografia (cor): Svetlana Cvetko, Kalyanee Mam; Montagem: Chad Beck, Adam Bolt; Decoração: Mariko Marrs; Som: Rich Bologna; Efeitos visuais: Jonathan Gershon; Companhias de produção: Representational Pictures, Sony Pictures Classics; Intérpretes: Matt Damon (narração); Duração: 120 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia TriStar Warner Filmes de Portugal; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 11 de Novembro de 2010.  

CINEMA: OS MELHORES DE 2010

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Os melhores filmes estreados em 2010
(por ordem de estreia no nosso país)

- “O Laço Branco” (Das Weisse Band), de Michael Haneke (Alemanha, Áustria)
- “Tudo Pode Dar Certo” (Whatever Works), de Woody Allen (EUA)
- “Um Homem Singular” (A Single Man), de Tom Ford (EUA)
- “Shutter Island”, de Martin Scorsese (EUA)
- “As Ervas Daninhas” (Les Herbes Folles), de Alain Resnais (França)
- “Eu Sou o Amor” (Io Sono l'Amore), de Luca Guadagnino (Itália)
- “O Segredo dos Seus Olhos” (El Secreto de Sus Ojos), de Juan José Campanella (Argentina)
- “Meu Filho, Olha o que Fizeste!”, de Werner Herzog (EUA)
- “O Escritor Fantasma” (The Ghost Writer), de Roman Polanski (Inglaterra)
- “A Origem” (Inception), de Christopher Nolan (EUA)
- “Irene”, de Alain Cavalier (França)
- “Mistérios de Lisboa”, de Raul Ruiz (Portugal, França)
- “A Rede Social” (The Social Network), de David Fincher (EUA)
- “Inside Job - A Verdade da Crise”, de Charles Ferguson (EUA)
 
O mais importante filme estreado em Portugal em 2010:
- “Inside Job - A Verdade da Crise”, de Charles Ferguson (EUA)
O melhor filme do ano:
- “A Rede Social” (The Social Network), de David Fincher (EUA)

segunda-feira, dezembro 20, 2010

CINEMA: JOGO LIMPO

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 JOGO LIMPO

"Fair Game" volta a abordar o tema das armas de destruição maciça que supostamente existiriam no Iraque e que motivaram a invasão deste país do Médio Oriente pela administração de George W. Bush em 2003. O argumento baseia-se em factos e personagens reais, e em duas obras, ambas escritas pelos próprios protagonistas, Valerie Plame, a agente da CIA, e o seu marido, Joseph Wilson, senador e diplomata norte-americano. “Fair Game" e "The Politics of Truth" o que contam e discutem são acontecimentos hoje em dia do domínio público: teria o Iraque de Saddam Hussein verdadeiramente armas de destruição maciça? A CIA sabia se existiam ou não essas armas? O que era realmente do conhecimento da Casa Branca e do governo de George W. Bush? Dizia-se que a Nigéria tinha vendido ao Iraque urânio enriquecido? Era verdade? Joe Wilson foi convidado pela CIA a informar-se sobre a verdade ou mentira dessa informação, relatou-a à CIA, esta reportou à White House. Tudo indicava que a operação nunca se efectivara. Se assim foi, por que razão o governo dos EUA invadiu o Iraque?
Por isso, quando George W. Bush reafirmou a presença de armas de destruição maciça no Iraque como justificação para a invasão, Joe Wilson escreveu um artigo no “New York Times” relatando o que sabia de concreto, como observador no local, e que se opunha radicalmente à “verdade” revelada pela Casa Branca.
Pouco depois deste artigo, e para desacreditar o senador, é revelada a profissão da mulher de Joe Wilson, Valerie Plame, agente da CIA, num artigo do jornalista Robert Novak. A “encomenda” teve o seu impacto certo. Valerie foi afastada da CIA. Esta “inocente” denúncia provocou o caos na família de Joe e Valerie que, pela defesa das suas posições, foram insultados e agredidos, ostracizados por todas as formas e feitios. Os contactos de Valerie no Iraque foram igualmente dizimados, depois de deixados à sua sorte no terreno, quando antes lhes havia sido prometido apoio na sua retirada. 
Tanto Joe Wilson como Valerie não se calaram, defenderam-se, foram a programas de televisão, escreveram artigos, deram conferências de imprensa, foram às universidades, “pediram a palavra”. Acabaram por fazer triunfar a verdade (ou, pelo menos, contrariar as mentiras difundidas pelo poder estabelecido), repor a integridade das suas condutas e colocar a descoberto as hipocrisias e as golpadas governamentais. E a criminosa actividade desencadeada por uma guerra que tinha intuitos diversos daqueles por que era publicamente desencadeada.
Será apenas esta a intenção primeira de “Jogo Limpo”? Não me parece que seja tanto repisar um conjunto de factos já conhecidos de quase todo o cidadão mais ou menos informado (o artificialismo das causas que conduziram à guerra do Iraque), mas, sobretudo, mostrar como um cidadão se deve comportar numa sociedade democrática em que a sua palavra tem de ter peso e ser ouvida. Numa democracia não se aceitam as injustiças e as inverdades. Luta-se com as armas que essas democracias colocam nas mãos dos cidadãos. Muito na linha do cinema, algo ingénuo e edificante, de um Frank Capra (com filmes como “Uma Noite Aconteceu”, “Doido com Juízo”, “Não o Levarás Contigo”, “Peço a Palavra”, “Um João Ninguém”, “O Mundo é Um Manicómio” e “Do Céu Caiu uma Estrela”), nos anos 30 e 40, quando a América procurava recuperar do grande desastre de 1929 e da enorme depressão económica e social que sobre ela se abatera.
Numa época em Roosevelt tentou galvanizar os cidadãos norte-americanos para um combate colectivo e solidário, com o programa do “New Deal”, o cinema acompanhou essa luta em obras de Frank Capra, John Ford, Preston Sturges, William Wyller, e tantos outros. Parece ser esse o caminho, oitenta anos depois, de algum cinema norte-americano que tem sido estreado recentemente. Apontar erros, e mostrar como o cidadão se pode revoltar perante enganos e mentiras, injustiças e prepotências. Fazendo ainda por cima “Jogo Limpo”.
Doug Liman, que já assinara o primeiro capítulo da gesta de Jason Bourne, o agente secreto imortalizado por Matt Damon e criado pelo escritor Robert Ludlum, em “The Bourne Identity” (2002), a que se seguiram “Mr. & Mrs. Smith” (2005) e “Jumper” (2008), não parece ser um realizador particularmente inspirado. Eficaz em cenas de acção, escorreito a contar uma história, não trará novidades de maior à história do cinema, mas encarrega-se com dignidade das encomendas que recebe. "Fair Game" é exemplo disso, movimentadas sequências, um bom clima de “suspense” psicológico, uma narrativa que acompanha um intrincado inquérito. Um olhar critico sobre a política norte-americana, numa projecção reformista, aceitando que o sistema se pode e deve reformar a si próprio, ao corrigir as perversidades que a própria engrenagem permite, o que acaba por ser um sintomático voto de confiança nas virtudes da democracia representativa, mas onde o cidadão nunca deve perder a voz. Neste particular o filme é não só curioso, como sintomático de uma nova era na história dos EUA. Era Obama, obviamente. Também no cinema. Não deixa de ser invulgar ver um filme onde personalidades relevantes da política actual são nomeadas pelo próprio nome, sem tibiezas ou disfarces.
Tecnicamente escorreito, com interpretações seguras de Naomi Watts (Valerie Plame) e Sean Penn (Joe Wilson), e sequências de arquivo onde se colhem imagens bem seleccionadas do cinismo governamental (pela obra passam George W. Bush, Dick Cheney, Colin Powell, Condoleezza Rice, Bill Walters e a própria Valerie Plame), “Jogo Limpo” não terá o brilhantismo de “Os Homens do Presidente” ou de “Nixon”, mas é um bom testemunho que valerá a pena não desperdiçar.
 
JOGO LIMPO
Título original: Fair Game
Realização: Doug Liman (EUA, Emiratos Árabes Unidos, 2010); Argumento: Jez Butterworth, John-Henry Butterworth, segundo obras de Joseph Wilson ("The Politics of Truth") e Valerie Plame ("Fair Game"); Produção: Mohamed Khalaf Al-Mazrouei, Dave Bartis, Jez Butterworth, Gerry Robert Byrne, Kerry Foster, Sean Gesell, Akiva Goldsman, Anadil Hossain, Doug Liman, Bill Pohlad, David Sigal, Mari-Jo Winkler, Kim H. Winther, Janet Zucker, Jerry Zucker; Música: John Powell; Fotografia (cor): Doug Liman; Montagem: Christopher Tellefsen; Casting: Joseph Middleton; Design de produção: Jess Gonchor; Direcção artística: Kevin Bird; Decoração: Ibrahim Khorma, Sara Parks; Guarda-roupa: Cindy Evans; Maquilhagem: Amanda Miller; Direcção de Produção: David Bausch, Driss Benyaklef, Brian Buckland, Gerry Robert Byrne, Frank Hildebrand, Issam M. Husseini; Assistentes de realização: Yanal Kassay, Kim H. Winther; Departamento de arte: Kelly Solomon, Jae Pak; Som: Paul Urmson, Steven Visscher; Efeitos especiais: Ken Goodstein; Efeitos visuais: Joseph DiValerio, Christina Mitrotti; Companhias de produção: River Road Entertainment, Participant Media, Imagenation Abu Dhabi FZ, Zucker Productions, Weed Road Pictures, Hypnotic, Fair Game Productions; Intérpretes: Naomi Watts (Valerie Plame), Sean Penn (Joe Wilson), Noah Emmerich (Bill Johnson), Liraz Charhi (Dr. Zahraa), Nicholas Sadler, Sam Shepard (Sam Plame), Bruce McGill (Jim Pavitt), Sonya Davison, Vanessa Chong, Anand Tiwari (Hafiz), Michael Kelly (Jack), Ty Burrell, Stephanie Chai, Jessica Hecht, Norbert Leo Butz, Rebecca Rigg, Brooke Smith, Thomas McCarthy, Ashley Gerasimovich, Quinn Broggy, Iris Bahr, Ghazil, Kristoffer, Ryan Winters, Louis Ozawa Changchien, Sean Mahon, Mohamed Abdel Fatah, Rashmi Rao, David Andrews, David Denman, Remy Auberjonois, Tim Griffin, Sunil Malhotra, Kevin Makely, Mousa Al Satari, Khaled Nabawy, Rafat Basel, Maysa Abdel Sattar, Judith A. Resnik, Ben Mac Brown, Satya Bhabha, Nabil Koni, Mohammad Al Sawalqa, Jenny Maguire, David Warshofsky, Geoffrey Cantor, David Iklu, Deidre Goodwin, Donna Placido, Adam LeFevre, Brian McCormack, James Rutledge, Tricia Munford, Michael Goodwin,  Nasser,  Chet Grissom, James Joseph O'Neil, Danni Lang, Jane Lee, James Moye, Judy Maier, Polly Holliday, Kola Ogundiran, Byron Utley, Anastasia Barzee, Sanousi Sesay, Harry L. Seddon, e ainda em imagens de arquivo George W. Bush, Dick Cheney, Valerie Plame, Colin Powell, Condoleezza Rice, Bill Walters, etc. Duração: 108 minutos; Distribuição em Portugal: Zon-Lusomundo; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 1 de Dezembro de 2010.

quarta-feira, dezembro 15, 2010

OS "FALSOS SPORTINGUISTAS"


UM SPORTING DESASTRADO
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Gosto muito de futebol e sou sportinguista desde que me conheço. Sócio com emblema de 25 anos de fidelidade (tenho muitos mais anos, mas com intermitências). Já não vou ao estádio há vários anos. Desisti de ir depois de ver o comportamento abjecto de algumas claques. Sou “sportinguista” mas respeito os adversários. Não admito a ordinarice organizada. Um popular chamar "filho da puta" ao árbitro num momento de raiva, compreendo e até posso achar graça. Uma massa organizada a cantar em coro hinos de ódio e a praticar violências sem pejo, isso nunca. Com bandeiras a lembrar suásticas? Não, não contem comigo.
Quando o Sporting joga com o Porto, o Benfica, o Setúbal ou o Carcavelinhos, quero que jogue melhor e ganhe. Não me importo muito que jogue pior e ganhe. Não gosto é de perder, nem de ganhar com truques extra quatro linhas. E mesmo dentro das quatro linhas não gosto de árbitros que se “enganem” premeditadamente. Sou ferrenho, mas tenho “fair play”.
Este ano tenho-me abstido de comentar a péssima carreira do meu clube. Limito-me a não pagar as cotas há uns meses. É o meu protesto. Acho que se têm cometido asneiras a mais, mas enfim… Chegou, porém, a hora de explodir. Quando vejo um senhor chamado Maniche, que eu conheci como jogador do Benfica e do Porto, e que chegou em fim de carreira ao Sporting, dizer que há muitos “falsos sportinguistas” a dizerem mal do clube, não resisto mais. A seguir, logo no dia imediato, vejo um senhor chamado Costinha, a quem chamam “Ministro” não sei porquê (será uma ofensa, já que ninguém parece gostar de políticos neste país?), e que eu conheci como destacado centro campista do FCP, dizer a Sousa Cintra que se “deve meter na sua vida” e deixar de comentar questões do Sporting, aí chegou-me a mostarda ao nariz.
Eu sei que hoje em dia todos são “profissionais” e mudam de clube por dá cá aquele milhão de euros. Tudo bem, é assim a vida. Mas ver esses “profissionais” chegarem a um novo clube, que lhes paga bem, e confessarem que são “sportinguistas” desde o berço, é algo que não me cai bem. Não gosto de ver o Coentrão dizer que é “sportinguista” desde que se conhece e que ir para o Sporting é o sonho da sua vida, e depois ir para o Benfica, nem me soa muito bem ver o Maniche estar “agora no clube do seu coração”.
São “profissionais”? Então calem-se. Recebam o ordenado, joguem o melhor que possam a defender as cores do seu patrão, mas esqueçam o clubismo. Calem-se! Se se sentem mal com os “falsos sportinguistas”,  mudem de clube, vão embora, que não fazem falta nenhuma. Eu sei que o Sporting é um “ninho de vespas” (como acontece em todos os clubes), mas há as vespas sportinguistas e há as vespas que voam de colmeia em colmeia. As vespas sportinguistas até podem dizer muito disparate, mas quase sempre querem o melhor para o clube. As opiniões são livres e assim se devem manter. Mas lições de moral de “profissionais” da bola, não obrigado. Joguem, e calem-se. Os sportinguistas e os falsos sportinguistas pagam cotas, ou simplesmente sofrem com o clube, e não mudam de emblema, não se transferem, não recebem luvas, não fazem contratos milionários. Estão 18 anos sem ver a cor da taça de campeão, mas aguentam. Firmes. Protestam, criticam, dizem mal do presidente e do treinador, mas estão ali sempre, enquanto todos os outros vão mudando. Eles “são” o clube. Antigamente podia dizer-se que havia jogadores que “eram” o clube. Hoje não há. Antigamente, os dirigentes e os directores desportivos trabalhavam de borla e até metiam dinheiro do seu bolso no clube. “Eram” património do clube. Hoje são pagos. Pagos para trabalhar no que sabem (e ás vezes muito bem pagos para fazerem asneiras consecutivas). Os sócios não pagam a uns senhores para depois os ouvirem chamar-lhes “falsos sportinguistas”. Façam favor de ter um certo pudor e tento na língua.
Já agora, mais uma questão: o senhor “Ministro” Costinha afirma que o senhor Sousa Cintra deve estar calado, porque senão ainda torna pública uma papelada que tem em seu poder. Ora bem, isto é muito grave e não deve ficar por aqui: o senhor “Ministro” Costinha insinua que tem em seu poder algo de comprometedor sobre a gestão do senhor Sousa Cintra. Nesta altura do campeonato, o senhor “Ministro” Costinha só tem uma atitude a tomar: revelar o que sabe ou demitir-se. Esta insinuação é muito grave para o clube e os sócios têm obrigação de saber o que se passa.
Eu sei que, “nesta altura do campeonato”, os sócios são a última das preocupações das direcções e das SADs, muito mais interessadas em bancos e SMVM. Os sócios são o verbo-de-encher. Mas era bom que de vez em quando tivessem algum respeito por eles, como neste caso, e esclarecessem de vez esta questão.

terça-feira, dezembro 14, 2010

INVICTA FILMES: ENCERRAMENTO DO ANO

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Os ciclos da Invicta Filmes, na Biblioteca Almeida Garrett, referentes a 2010, terminam na próxima quinta-feira, 16 de Dezembro, pelas 18, 30 horas, com um debate sobre a obra de Stanley Kubrick. Segue-se a exibição de "Kubrick, Uma Vida em Filmes".


Antes, pelas 18, 00 horas, no mesmo local, sessão de autógrafos do livro "Temas de Cinema, Griffith, Welles, Kubrick" (edição Dinalivro).  

segunda-feira, dezembro 13, 2010

EM QUE FICAMOS?


Em que ficamos? 
É esta uma boa forma de fazer jornalismo?
Sozinho e infeliz?
Juntos e felizes?
Duas revistas que sairam na mesma semana?

Cinema: CÓPIA CERTIFICADA

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CÓPIA CERTIFICADA
 Abbas Kiarostami é iraniano (nascido em Teerão, a 22 de Junho de 1940), estudou artes e iniciou uma carreira de realizador no início dos anos 70, começando sobretudo pelo documentarismo e a curta-metragem. Julgo que a primeira longa-metragem que dele conhecemos em Portugal foi “E a Vida Continua” (1992), a que se seguiram “Através das Oliveiras” (1994), “O Sabor da Cereja” (1997) e agora este “Cópia Certificada” (2010). Nas duas últimas décadas, tornou-se uma das figuras mais internacionais da cultura iraniana, cineasta premiado em vários festivais, autor de poemas e fotografias que mereceram exposições em diversos cantos do mundo. Vivendo no Irão, não abdica de alguma crítica sobre a política do seu país, tendo ainda este ano publicado uma carta aberta defendendo a libertação de dois realizadores iranianos (Jafar Panahi e Mohammad Rasoulof), presos por delito de opinião.

“Cópia Certificada” mantém muitas das características do seu cinema realizado no Irão, de que “Através das Oliveiras” e “O Sabor da Cereja” são dois excelentes exemplos, mas embrenha-se por terrenos que não são os seus mais habituais. O seu estilo, delicado e contemplativo, de fina observação e de magnífica austeridade formal, onde a qualidade plástica por vezes assombra o espectador, é conservado com uma exigência invulgar, mas o facto de vir filmar para Itália, na belíssima Toscânia, com um actor britânico, William Shimell, barítono de ópera que aqui se estreia como intérprete no cinema (depois de três incursões por teledramáticos), e a fabuloso francesa Juliette Binoche, parece ter-lhe retirado um pouco de autenticidade.

Acontece que o filme é inteligente e sensível, extremamente belo e sedutor na sua construção, mas no final fica a sensação de algo artificial (precisamente e sobretudo por causa da sua extremamente inteligente construção, o que torna a sua arquitectura demasiado conceptual). Obviamente que deve muito a Rossellini e à sua “Viagem a Itália”, segue-lhe as pisadas e os propósitos, aparenta-se a uma viagem a Itália, tomo 2, mas enquanto em Rossellini a frescura e a novidade do tom surpreendiam, em “Cópia Certificada”, essas qualidades não são tão visíveis. Podem dizer, então, que é sobre isso mesmo que o filme fala, sobre a diferença ou não entre originais e cópias, mas se assim é, uma das conclusões do filme, de que uma boa cópia pode valer um bom original, porque pode suscitar as mesmas reacções, ou até melhores, fica um pouco comprometida neste caso.

Um escritor inglês vem à Toscânia apresentar o seu último livro sobre arte. Fala precisamente do valor e da importância da cópia e do original. Para ele, a diferença pode não ser muita. Entre a assistência, está uma mulher e o seu filho, que partem antes do debate acabar. Mas ela, dona de uma galeria de arte e arqueologia, deixa um convite para ser entregue ao escritor que a visita na manhã do dia seguinte, na sua galeria. Ela admira-o e contesta-o discretamente. Convida-o a passear, a visitar a aldeia de Lucignano. Partem de viagem, em busca de representações artísticas e de pessoas reais, de paganismo e religiosidade, de originais e de cópias. Visitam igrejas e assistem a casamentos, e a dona de um café toma-os por marido e mulher. Ela não contesta. Daí em diante, por um subtil e manso jogo de “raccords” (“raccord” em cinema é termo que indica a ligação harmoniosa entre planos e acções, sem que se sinta o salto, a quebra entre eles), ela e ele passam a comportar-se como um casal, e são vistos enquanto tal.

O jogo é conduzido habilmente por “ela” (que é, foi, obviamente casada e com razões de queixa do marido, mas também alguma nostalgia dos tempos passados). Ela “toma-o” como marido, ele deixa-se conduzir, nada no filme nos diz se se trata de realidade ou ficção, se cópia se original, o encontro com outros casais parece indicar que o que está em causa não é “este” casal, mas os casais, ou o casamento como instituição, intrinsecamente ligada a uma religiosidade ancestral, que tem, todavia, muito de pagã.

Mas há momentos em que esta viagem em Itália, pelos caminhos da Toscânia, se aproxima de uma fria análise da incomunicabilidade: ela olha-se ao espelho, olhando-nos a nós, ele faz o mesmo, tempo depois, ambos procuram um interlocutor que não está presente (ou que está somente presente na sala de cinema, como testemunha), quando falam entre si raramente parece um diálogo, mas dois monólogos paralelos que por vezes se tocam.

A fotografia restitui os tons da Toscânia, que são quentes e envolventes, os actores usam um naturalismo que por vezes atravessa a improvisação, o tom de Kiarostami é de uma eficácia narrativa total, nunca procurando o espectáculo exterior, mas sim a viagem interior, mesmo quando as duas personagens divagam de carro. O essencial é o que se passa dentro de cada um, mesmo quando a paisagem se reflecte nos vidros do pequeno automóvel em que se deslocam.

Um filme que vale obviamente a pena, mas que nos parece uns furos abaixo do Kiarostami genuinamente iraniano. (na foto abaixo, Kiarostami e Binoche)

Cópia Certificada
Título original: Copie conforme
Realização: Abbas Kiarostami (França, Itália, Irão, 2010); Argumento: Abbas Kiarostami; Produção: Angelo Barbagallo, Gaetano Daniele, Claire Dornoy, Charles Gillibert, Marin Karmitz, Marin Karmitz, Nathanaël Karmitz, Abbas Kiarostami; Fotografia (cor): Luca Bigazzi; Montagem: Bahman Kiarostami; Design de produção: Giancarlo Basili, Ludovica Ferrario; Guarda-roupa: Marzia Nardone; Maquilhagem: Fabienne Robineau; Direcção de Produção: Simona Chiocca, Ivana Kastratovic, Maria Panicucci; Departamento de arte: Lorenzo Sartor, Francesco Spina; Som: Grégory Noël, Dominique Vieillard; Efeitos visuais: Rodolfo Migliari; Companhias de produção: MK2 Productions, BiBi Film, Abbas Kiarostami Productions, France 3, Canal+, Centre National de la Cinématographie, Toscana Film Commission; Intérpretes: Juliette Binoche (Ela), William Shimell (James Miller), Jean-Claude Carrière (homem na praça), Agathe Natanson (mulher na praça), Gianna Giachetti (dona do café), Adrian Moore (o filho), Angelo Barbagallo (o apresentador), Andrea Laurenzi (o guia), Filippo Trojano (a noiva), etc. Duração: 106 minutos; Distribuição em Portugal: Atalanta Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 18 de Novembro de 2010.


NATAL 2010

CÁ VAMOS NÓS MAIS UMA VEZ...



dreaming of a White Christmas...
(contra todas as crises e contra os velhos do Restelo
...que andam por todo o lado, e não só no Restelo)

sábado, dezembro 11, 2010

PEQUENOS APONTAMENTOS POLÍTCOS




ESTENDENDO O TAPETE VERMELHO
À MAIORIA LARANJA
E OUTROS APONTAMENTOS POLÍTICOS

Agora que se comemoram os 30 anos sobre a trágica morte de Sá Carneiro, o seu sonho político parece concretrizar-se: um presidente, um governo, uma maioria.
Pelo andar da carruagem, alguém tem dúvidas de que Cavaco Silva seja reeleito Presidente? Com quatro adversários, dois dos quais a brincar, todos a darem tareia no candidato da direita e a fazerem dele a vítima necessária, e alguns deles sem qualquer prestígio para o desafiarem, que esperam? Mas há mais: a proliferação de candidatos só mostra a divisão e a ineficácia desta votação. Muito votante se interroga: valerá a pena votar, quando a decisão já é conhecida?
A reeleição de um Presidente tem estado quase sempre garantida. Esta chegou a tremer quando se descobriu “escutas” no gabinete do futuro candidato. No afã de derrotarem o PS, que cometeu muitos erros, mas não tantos como os que se lhe apontam, CDS, PSD, BE, PCP juntaram-se para conseguirem o resultado esperado: vitória de Cavaco, dissolução da Assembleia, eleições com uma nova AD a triunfar em toda a linha. Nunca uma Frente Comum foi tão unida. A ver vamos o que o eleitorado dirá daqui a dois anos. Qual o grau de contentamento de certos sindicalistas, de milhares de professores, do funcionalismo público, do Serviço Nacional de Saúde, e por aí fora.
Não percebo como se pode ser tão cego que não se veja certas coisas que estão a acontecer no mundo (e que objectivamente se reflectem no nosso país). A saber: a crise que hoje o mundo atravessa não tem a ver com países isolados ou melhores ou piores governos (estes podem agravar ou atenuar a crise, nada mais). A crise é um fenómeno conjuntural global. O PCP tem razão em acusar o capitalismo de estar na origem desta crise. Mas perde toda a razão quando deliberadamente se esquece que um dos principais países capitalistas do mundo é a China.
Na verdade, foi a vergonhosa avidez dos capitalistas que se entretiveram a multiplicar dinheiro virtual e a brincar aos monopólios com o capital dos depositantes que provocou esta crise que nos afunda a todos. Já tinha sido assim em 1929. Já se sabe que o capital não tem sentimentos. O que se pode estranhar é que um país dito “comunista” entregue a sua massa de trabalhadores quase a custo zero e em condições de perfeita escravatura às multinacionais para ali produzirem muito mais barato o que nos países ditos industrializados (Europa, América, Canadá, Japão e poucos mais) fica obviamente mais caro, dadas as conquistas sociais de que dispõem os seus trabalhadores.
Por isso o desemprego sobe em flecha na Europa e nos EUA, acompanhando a subida em flecha dos lucros das multinacionais e dos bancos. Os trabalhadores portugueses, para dar um exemplo próximo, julgavam ter adquirido “certas regalias sociais” quando as conquistaram aos capitalistas ocidentais. Esqueceram-se que havia o outrora “terceiro mundo” e que este passou a chamar-se, nalguns casos, “economias emergentes”. China, Índia, países árabes, alguns centros em África, vários países da América Latina. Esqueceram-se que muitos povos se iriam revoltar contra essa condição de colonizados, mesmo depois de oficialmente descolonizados.
E a revolta surgiu, mas infelizmente quem a comandou não foram os descamisados, mas o capitalismo “emergente” nesses territórios que se aliou ao já antigo capitalismo para dividir em partes mais equitativas o bolo. Alguém mais beneficiou com esta troca? Uma certa burguesia burocrata e tecnocrata que prolifera na China, na Índia, e mais ninguém. Os trabalhadores da China e da Índia não lucram com o facto dos camaradas da Europa e da classe média portuguesa apertarem o cinto. Estamos a apertar o cinto para os comilões do costume, mais os que recentemente se vieram sentar à mesa, para desfrutarem de mais regalias.
A luta é, pois, contra o capitalismo selvagem que não olha a meios para alcançar os fins. Acontece que não há só um capitalismo “de direita”. Há também capitalistas ditos “de esquerda”, que é preciso igualmente combater. A exploração do homem pelo homem, que às vezes roça um servilismo feudal e abjecto, é essa que tem de ser contrariada. À direita ou à esquerda, que neste caso as etiquetas não querem dizer nada: eles andam todos misturados atrás do lucro fácil. As multinacionais, como o próprio nome anuncia, não têm nação, nem rosto humano.
Teria todo o gosto em perder parte das minhas (curtas, diga-se) regalias, se isso fosse impedir que alguém morresse à fome na China ou em África. Mas para engordar mais o capitalista americano sentado à mesma mesa com o capitalista chinês, não, obrigado.
O que nos leva a outro tema "momentoso": a actividade da Wikileaks, que julgo particularmente relevante, ao denunciar não tanto as adjectivações diplomáticas, como as corrupções escondidas. Acontece que, ao acusar certos países democráticos, a Leakpedia está igualmente a elogiá-los: afinal consegue-se penetrar nas suas engrenagens, o que não acontece com os países que vivem em monarquia absolutista ou em ditadura. Nem China, nem alguns países árabes ou africanos, nem Cuba (para citar alguns apenas) têm visto as suas malas diplomáticas devassadas. Segurança de sistemas nesses países ou parcialidade na difusão do material apreendido por parte da Wikileaks? Neste dilema, a primeira conclusão é grave, a segunda gravíssima. A liberdade de expressão tem de ser defendida, mas a honestidade de processos também. 

quinta-feira, dezembro 09, 2010

sábado, dezembro 04, 2010

ENTREVISTA NO JORNAL "I"

:
LAURO ANTÓNIO:
"O cinema é como a maionese.
Umas vezes sai bem,
outras vezes não"
    

Foto de Nelson D'Aires
Sábado, 4 de Dezembro de 2010
Entrevista com Lauro António
para ler tudo clicar aqui

 

por Luís Leal Miranda

Com 50 anos de carreira, Lauro António é um dos maiores provadores de maionese. Assinala-se também os 30 anos de "Manhã Submersa" a sua maior investida no mundo dos molhos

Afastado da imprensa por vontade própria, o homem que Herman José deixou para a posteridade como Lauro Dérmio está reformado do ensino mas não deixou de ensinar cinema - através de workshops ou pequenos cursos. Quem quiser ler um dos mais antigos críticos portugueses pode fazê-lo no blogue "Lauro António Apresenta". Ali, continua a defesa do bom cinema mantendo o conselho do velho amigo Lauro Dérmio, "always watch good movies".

Os críticos de cinema são todos realizadores frustrados?

Nunca senti essa frustração. Escrever sobre cinema ajuda-me a compreender os filmes, a perceber o que gosto ou não de cinema - de certa maneira, foi a minha escola. Para além disso, sou do tempo de uma legião de cineastas que começaram por ser críticos como o Godard ou o Truffaut. Era um percurso normal daquela época: o João César Monteiro, o Fernando Lopes ou o António Pedro Vasconcelos começaram como críticos.

Quando estreou "Manhã Submersa", como foi mudar para o outro lado da trincheira?

O "Manhã Submersa" não foi muito criticado porque estreou primeiro em Cannes, onde foi muito bem recebido - e cá em Portugal gosta-se muito do que é bom lá fora. No filme seguinte já levei pancada de meia noite.

E como lidava com isso?

Às vezes é doloroso, quando se sente que é injusto. Mas é uma sensação engraçada. Fiz um filme chamado "Vestido de Cor de Fogo" que não foi tão bem recebido assim. Na altura fiquei magoado mas agora vejo que nem tudo correu bem ali. O cinema é um pouco como uma maionese: nós metemos para lá todos os ingredientes, juntamos aquilo tudo da mesma maneira e às vezes sai bem outras vezes não. Nunca sai da mesma maneira. Hoje ao ver "Manhã Submersa" reconheço que é melhor que o "Vestido Cor de Fogo", mas fi-lo com o mesmo entusiasmo.

Nunca teve problemas por dizer mal de realizadores portugueses?

Uma vez, ainda durante o Estado Novo, disse mal de um realizador - não vou dizer o nome - que me meteu em sarilhos. Era um tipo de quem até gostava mas um dia fez um filme com uma lente caríssima, daquelas polifacetadas, e filmou uma história que era só aviões a passar. Acusei-o de novo riquismo num texto e ele pôs-me em tribunal por difamação. Para além disso disse que era um perigoso comunista e tinha propaganda em casa. Estava na tropa quando apareceu a PIDE em casa e me revirou aquilo tudo à procura de panfletos. Estiveram lá um dia todo a vasculhar, a ver com muita atenção livros de autores que parecessem russos.

E como terminou esse caso?

Fui a tribunal com uma série de testemunhas, outros críticos, realizadores, para me defenderem. Nesse dia ele não apareceu - pôs um atestado de doença ou qualquer coisa do género. A data do julgamento seguinte era 25 de Abril de 1974. Não houve julgamento, como é óbvio. No dia seguinte vou ao tribunal e descubro que ele me tinha perdoado.

Mesmo depois desse caso, nunca teve um cuidado especial em criticar filmes portugueses?

Não, nada disso. Sempre tive cuidado em relação a todos os filmes porque também os faço. Às vezes até posso ser mais acintoso, mas tenho o cuidado de pensar "se eu lesse isto, o que sentiria?". Mas ainda assim desanco de alto a baixo em coisas horríveis que têm aparecido por aí: o "Second Life", o "Crime do Padre Amaro", o "Amália" que são abaixo de cão. Mas não é por serem portugueses, é pelo desprezo tão grande que têm pelo espectador.

Lembra-se de quando começou a interessar-se por cinema?

Praticamente desde que me conheço. Lembro-me de ser muito miúdo, com dois, três anos, ir ao cinema com os meus pais e ficar ao colo deles tardes inteiras. Nasci em Lisboa mas fui para Portalegre novo porque o meu pai era professor e foi colocado. Tinha uns 12 anos quando comecei a escrever pequenos textos sobre cinema.

Eram sobre o quê?

A maior parte das vezes eram declarações de amor a actrizes como Audrey Hepburn; também gostava muito da Sarita Montiel, uma actriz espanhola de musicais. Quando voltei a Lisboa comecei a escrever mais a sério nos jornais, mas nada disso era pago. Só comecei a receber quando fui para uma revista chamada "TV Guia".

Foi aí que começaram os problemas com a censura.

Fui corrido por causa de uma crítica que escrevi sobre um filme do [actor italiano] Totó, veja lá, "Polícias e Ladrões". O filme tinha umas referências sociais grandes que eu descrevi; e nisto um leitor escreveu para a revista a dizer que eu era um perigoso comunista. Lá fui chamado pelo chefe de redacção - isto era o início dos anos 60 - que me mandou embora.

Mas voltou à carga.

Em 1968 comecei a escrever no "Diário de Lisboa", isto numa altura em que os jornais não tinham crítica de cinema diária. Havia só uns senhores, uns jornalistas velhotes da casa, que andavam de cinema em cinema a sacar os programas. Os papéis tinham uns resumos do guião e eles retiravam isso para pôr no jornal. Entretanto o Eduardo Prado Coelho e eu fizemos uma proposta ao "Diário de Lisboa" para começar a escrever crítica diária.

Escreviam todos os dias?

Todos os dias, de uma maneira um bocado eufórica. Via o filme, ia para casa a correr, deixava a namorada pendurada enquanto fazia a crítica e depois deixava o texto pregado na porta com um pionés. De madrugada lá ia alguém do jornal buscar o texto.

Era fácil dizer mal?

Sim, até ao dia em que a associação que agrupava os cinemas escreveu uma carta a dizer: "Se esses senhores continuam a escrever aí nós retiramos a publicidade." Mas os tipos do "Diário de Lisboa" não se ficaram e em vez de aceitar a ameaça publicaram a carta na capa, acusando a associação dos cinema de tentativa de censura.

Consequência?

A imprensa transformou-nos em heróis nacionais. Depois de uma semana com este assunto na berlinda a ameaça foi retirada. Mais tarde outros jornais viriam a ter críticos de cinema todos os dias. Mas fomos os pioneiros a fazer crítica diária.

Tinham um poder enorme nessa altura. Não é verdade?

Sim, e vou dar-lhe um exemplo. Certa semana o Berna estreia um filme chamado "Soldado Azul" , uma história de um massacre de índios na América. Ora isto aconteceu durante a guerra do Vietname e o filme era uma alegoria a isso mesmo, um facto que veladamente eu descrevi na minha crítica. O filme não estava a ter muito sucesso mas de repente disparou. Nisto eu passo um dia pelo cinema e o porteiro vem falar comigo. Diz "oiça lá o senhor fez cá uma revolução, isto está cheio de gente com o ''Diário de Lisboa'' debaixo do braço para ver o seu filme sobre o Vietname". Lembro-me que passado uns tempos chega um filme do Arthur Penn chamado o "Pequeno Grande Homem" que era para ser estreado no Monumental e não aparece em sala. Nisto o distribuidor foi informado que o filme foi à censura e foi cortado - um filme de cowboys de aventuras, sem nada de político. O homem vai tentar saber o que se passou e descobre que lhe proibiram o filme porque, sim senhor, era um filme de cowboys, mas depois vinha o Lauro António dizer que era do Vietname e estava tudo lixado.