quarta-feira, setembro 27, 2006

EDUCAÇÂO

Pode ser que haja interessados num assunto tão na berra:
I FORUM EDUCAÇÃO

Promoção: Junta de Freguesia de Rio de Mouro
Organização: O Alquimista
Local: Centro Paroquial de Rio de Mouro

Programa
Dia 29 de Setembro/2006

Manhã
O9h50 – Sessão de Abertura
10h30 - PAINEL - Artes na Educação
Cinema na Educação – Dr. Lauro António
Teatro na Educação – Dr. Duarte Ivo Cruz
As Artes Performativas na Educação – Dr. João Soeiro Carvalho
Música na Educação – Dra. Ana Raquel de Sá Coelho
Moderador – Dr. Paulo Morais
Pausa para Almoço – 13h00
Tarde
14h30 – Sessão de Poesia:
Dr. Jorge Trigo, Dr. Luciano Reis e Dr. Paulo Anes
14h45 - PAINEL - Religião e Sexualidade
A Educação Sexual nas Escolas – Dra. Cristina Branco e Dr. Herlander Cordeiro
Antropologia e Sociologia da Religião – Dr. Moisés Espírito Santo
O Ensino da Religião Católica – Padre - João Eleutério
O Ensino da Religião Evangélica – Pastor - Sérgio Rui Felizardo Gomes
Moderador – Dr. Jorge Mato

17h30 – Lançamento do livro “Primeiro Sexo”,
da autoria de Cristina Branco e Herlander
Cordeiro, editado pela Editora SeteCaminhos.

Dia 30 de Setembro/2007
Manhã
09h30 – Grupo de Teatro de Massamá
09h45 - PAINEL - Educação Multicultural
Desporto Escolar – Dr. Fernando Correia
Educar para o Futuro – Dr. José Manuel Canavarro
Inovar a Educação – Dra. Elisa Paolinetti
Educação e Multiculturalidade em Agostinho da Silva – Dr. Jorge de Matos
Moderador – Dr. Fernando Seara

Pausa para Almoço – 13h00
Tarde
14h30 – Escola de Musica Leal da Câmara
14h45 - PAINEL - Educação Multicultural
Educação no Concelho de Sintra – Dr. Frederico Eça
Formação de Professores – Prof. João Dias da Silva
Alargamento dos Horários Escolares – Dr. Fernando Gomes (Confap –
Confederação Nacional das Associações de Pais)
Política Educacional do Ministério – Ministra Maria de Lurdes Rodrigues
Sintra multicultural ou em diálogo de culturas?
Na escola, com a escola e pela escola um desafio (também) às famílias! –
Paulo Correia (Federação das Associações de Pais)
Moderador – Dr. Filipe Santos
17h15 – Animação à Leitura – Arq. José Fanha
17h30 – Sessão de Encerramento
contactos tel./fax. 21 426 35 51,
e-mail marcia_alquimista@yahoo.com

terça-feira, setembro 26, 2006

CINEMA - O Paraíso, Agora

“O PARAÍSO, AGORA”


“Já foste ao Cinema”, pergunta ela. “Já, uma vez: incendiámo-lo.”, diz ele.

O que leva um homem de vinte e tal, trinta e poucos anos a enrolar à volta da barriga uma carga de explosivos e a fazer-se explodir num mercado, num autocarro, numa estação de metro, matando dezenas ou centenas de pessoas, a maior parte das quais inocentes, sem terem nada a ver com a causa que esse suicida poderá defender, ao assim se imolar?
Será fanatismo político e religioso? Será uma tal indiferença à vida que nada o leva a querer manter-se por cá? Será um tal ódio ao resto da humanidade que a todos pretende assassinar? Será uma mente totalmente desequilibrada? Será que uma pessoa igual a nós, a mim ou a si, seria capaz de um tal acto, se as circunstâncias fossem as mesmas?
Estas as interrogações a que de certa forma responde um dos filmes sensação desta temporada: “Paradise, Now”, assim no título inglês, porque não sabemos escrevê-lo em árabe.
Said (Kais Nashef) e Khaled (Ali Suliman) são dois amigos que se conhecem desde miúdos e trabalham juntos numa oficina de mecânica de automóveis. Um dia, um deles é despedido e o outro reencontra uma antiga amiga, Suha (Azabal), que estivera fora durante largo tempo e por quem sente uma forte atracção. Retribuída, diga-se de passagem, apesar da diferença social que existe entre ambos. Said é pobre, Suha vive nos bairros mais elegantes da cidade, uma pequena cidade palestiniana, que faz fronteira com Telavive. Onde explodem bombas, e ninguém quase dá por isso, de tão frequente se tornou a violência.
Este o início de “Paradise Now”, uma obra de Hany Abu-Assad (escrita por este, de colaboração com Bero Beyer e Pierre Hodgson), que conseguiu provocar a admiração de meio mundo, ganhar o Globo de Ouro para Melhor Filme Estrangeiro, ganhar, no Festival de Berlim, o Prémio do Público, o Prémio de Melhor Filme Europeu e o Prémio Amnistia Internacional, para lá de ter sido o primeiro filme palestiniano a ser nomeado para Melhor Filme Estrangeiro na cerimónia dos Óscares 2006.
Said e Khaled quando se sentam num velho banco de automóvel a olhar a cidade, enquanto fumam narguilé, bebem café e conversam sobre a vida, são dois gajos parecidíssimos com outros das zonas suburbanas de Lisboa, Paris ou Nova Iorque. A cidade (Nablus) que se estende a seus pés e que não tem nada a ver com as outras atrás mencionadas. A miséria, a incultura, a crendice, a falta de horizontes são algumas das razões que levam estes homens a entregarem-se a actos de desespero como os atrás referidos. Aliás, o filme de Hany Abu-Assad não é de todo ingénuo: há uma altura em que o “comissário político” palestiniano explica a alguém que lhe pergunta se ainda anda pelas escolas, que as continua a acompanhar, porque é muito importante saber o que se ensina aos alunos. A “lavagem ao cérebro” é indispensável para eles continuarem a acreditar no que lhes dizem durante o resto da vida e, quando os mandam envolverem-se em plástico e explodirem, o fazerem pensando que vão ser heróis cheios de honrarias na Terra (os cartazes com os seus nomes na praça central) e no Paraíso, onde os espera o seu Deus, rodeado de virgens.
Assim acontece com Said e Khaled que são chamados por elementos da resistência palestiniana para cumprirem uma “tarefa”, isto é, perpetrarem um atentado suicida na capital israelita. Said e Khaled não pestanejam e aprestam-se a cumprir o que foi deliberado. Vestem-se como se fossem para um casamento, mas por baixo dos fatinhos pretos esconde-se a morte, um hábil dispositivo de explosivos que basta puxar um cordelinho para fazer ir pelos ares algumas dezenas de pessoas. Há então alguma lógica neste mecanismo mental que leva homens a passarem por bombas? Óbvio que há. "Paradise Now", ao procurar humanizar essas personagens que diariamente surgem nos nossos telejornais já quase apenas como números, eles e as suas vítimas, reflecte obviamente sobre o conflito do Médio Oriente que dramaticamente se estende por mais de meio século. Sem solução aparente à vista e despoletando à sua volta muitos outros conflitos a este indissociavelmente ligados. O que se joga neste filme são críticas em diversas direcções, o que torna o filme complexo e de maneira nenhuma maniqueísta. Hany Abu-Assad torna seu porta-voz a jovem Suha, que “sabe” que este conflito se pode resolver sem o sistemático recurso à violência de um lado e outro. Mas o realizador, um árabe israelita nascido em Nazaré, que roda com capitais alemães, franceses, holandeses e israelitas (que mistura!), apresenta também a versão mais radical. É um dos jovens que explica que do. Vestem-se como se fossem para um casamento, mas por baixo dos fainho”se aceitarmos que os mais fortes devorem os mais fracos, então não seremos melhores do que os animais”. Mais, um deles teve no pai um colaboracionista que foi morto pelos resistentes. Ele sabe que o pai era um “homem bom”, mas sabe também que as traições se pagam. Sabe muito pouco mais. Sabe apenas aquilo que diariamente lhe inocularam no cérebro: “que Alá é grande e Maomé o seu profeta.”
"Paradise Now!" sobressai pelo humor com que consegue distanciar esta história de horror que a televisão banaliza diariamente. As despedidas dos heróicos suicidas são registadas em vídeo, mas nem tudo corre bem: à pose digna da primeira “take” que a câmara não grava, sucedem-se outras muito menos heróicas, incluindo o registo de recados para familiares. Quando atravessam a fronteira para atingirem Telavive, perdem-se um do outro e vários episódios caricatos se sucedem. Regressam à base e voltam a partir, mas as dúvidas assaltam um e outro. Ao contrário do que seria de supor, é o que tem mais razões para desistir que vai até ao fim.
Seguramente que este é um filme visto com desconfiança pelos “falcões” de Israel e da Palestina. Para uns torna simpáticos e “humanos”, iguais a qualquer um de nós, os “homens-bombas”. Para outros, o simples esboço das dúvidas dos protagonistas converte em perigosa esta obra. Se Israel nunca é bem vista e no final o passeio por Televive torna insuportável a comparação com a vida em Nablus, não é menos evidente que os “controleiros” não são totalmente simpáticos (o diálogo entre um deles e os futuros “heróis” é significativo da hipocrisia reinante: “E o que acontece depois?”; “Dois anjos virão buscá-los”; “Tem certeza?”; “Absoluta”.) e o negócio dos vídeos é um “achado” do mais acabado humor negro: um negociante de vídeos explica que os registos que se vendem melhor são os dos fuzilamentos dos “colaboracionistas”, muito melhor que os das despedidas dos “ heróis mártires”. Enfim, nem aqui o comércio da morte deixa de progredir.
Há uma cena de alguma simbologia que não aparece por acaso: quando se preparam para conduzir os dois “executantes” ao outro lado da fronteira, todos os elementos do grupo resistente se sentam para uma lauta refeição, que para dois será “uma última ceia”. As semelhanças são muitas com a representação tradicional do “Ceia de Cristo”. Esta aproximação iconoclasta tem apenas uma ideia: sublinhar o sacrifício em nome de uma ideia, de uma causa. Também a cena final, elidindo o atentado, antevisto apenas pelos olhos daquele que se vai imolar, é um bom fecho para um filme que apela ao diálogo mas sempre vai explicando por que algumas coisas acontecem: “Prefiro ter o Paraíso na cabeça do que o inferno nesta vida.”

O PARAÍSO, AGORA (Paradise Now), de Hany Abu-Assad (França, Alemanha, Holanda, Israel, 2005), com Kais Nashef, Ali Suliman, Lubna Azabal, Amer Hlehel, etc. 90 min; M/ 12 anos.

segunda-feira, setembro 25, 2006

CONVITE

LANÇAMENTO DE LIVRO
A Editora Sete Caminhos
tem o prazer de convidar V.Exa.
para a apresentação do livro
"Maria Dulce, a verdade a que tem direito",
de Luciano Reis.
A sessão terá lugar no dia 25 de Setembro de 2006,
no Restaurante “O Manel” no Parque Mayer,
pelas 18h30, em Lisboa.
A apresentação do livro ficará a cargo
do cineasta Lauro António.
Contamos com a a sua presença.

sábado, setembro 23, 2006

RUY BELO

«Escrevo como vivo, como amo, destruindo-me.
Suicido-me nas palavras.»
NA MORTE DE MARILYN

Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quern a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e ao abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse a governanta não me acorde amanha
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decida dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou quis ser até ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou

Ruy Belo, in “Nau de Corvos”,
“Tranporte do Tempo”, Lisboa, 1973

Nomeei-te no meio dos meus sonhos

chamei por ti na minha solidão

troquei o céu azul pelos teus olhos

e o meu sólido chão pelo teu amor
poemas de Ruy Belo; foto de Teresa Belo

FESTIVAL DE SÃO PAULO

A amiga Lisa França mandou notícia de São Paulo. Não só mata saudades (tantas, querida!, como é bom ter amigas como você!), como dá informe interesante. Manoel de Oliveira presente com o seu último filme, assina cartaz do certame. O Manoel é o maior, sem dúvida.
30ª Mostra de Cinema
São Paulo vai destacar
filmes políticos



texto de BRUNO YUTAKA SAITO
da "Folha de S.Paulo"
Na edição em que completa 30 anos, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo aguça seu olhar político (em ano eleitoral). Ainda sem a programação inteira definida, a mostra começa no dia 20 de outubro e vai até 2 de novembro. Seguindo o perfil mais histórico de anos anteriores, esta edição terá uma retrospectiva de 15 filmes com o cinema político italiano dos anos 60 e 70. São produções dos principais cineastas do período, como Bernardo Bertolucci, Marco Bellocchio e Ettore Scola, entre outros. Entre os convidados já confirmados, está a atriz brasileira radicada na Itália Florinda Bolkan, de "Investigação sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita" (1970, de Elio Petri), e o isralense Amos Gitaï, que deve ministrar workshop e vem com seu "News from Home/ News from House". Entre raridades restauradas, estão "Cabiria" (1914), de Giovanni Pastrone, e curtas mudos baseados na obra de Shakespeare produzidos entre 1899 e 1991 nos EUA, Itália e Inglaterra --os filmes terão acompanhamento musical ao vivo. Na mostra competitiva, entram vencedores dos principais festivais estrangeiros, como "Hamaca Paraguaya", da paraguaia Paz Encina, prêmio da crítica em Cannes, "Babel", do mexicano Alejandro González Iñárritu (melhor diretor), e "The Wind that Shakes the Barley", de Ken Loach (Palma de Ouro). Entre outros destaques, estão o mexicano "El Violin", de Francisco Vargas Quevedo, e o novo de Karim Aïnouz, "O Céu de Suely". Além de cineastas consagrados, como Robert Altman ("A Última Noite"), Martin Scorsese ("Os Infiltrados") e Manoel de Oliveira --autor do cartaz da mostra, que relê "A Bela da Tarde" em "Belle Toujours", estão nomes mais pop, como Richard Linklater ("A Scanner Darkly") e John Cameron Mitchell ("Shortbus"). Junto com a mostra, serão lançados os livros "Cinema sem Fim", histórico dos 30 anos, e "O Cinema Político Italiano - Anos 60 e 70", que reúne série de entrevistas. Mais detalhes estarão no site www.mostra.org, que deve entrar no ar em 10 de outubro. Como nos outros anos, o quiosque da mostra será montado no Conjunto Nacional (av. Paulista, 2.073), que abre para informações em 9/10; os ingressos (ainda sem preços definidos) começam a ser vendidos em 14/10.

CINEMA: Uma Verdade Inconveniente


“UMA VERDADE INCONVENIENTE”

Não sei se se poderá dizer que “An Inconvenient Truth” seja um documentário ambientalista. Acho que o mais correcto será dizer que se trata de um documentário sobre a actividade de Al Gore como ambientalista. O “ex-futuro presidente dos EUA”, como ele próprio se apresenta, e gosta de sublinhar que o faz sem ironia, possivelmente com pesar por ter de enfrentar, e aceitar, as consequências de uma eleição fraudulenta, tem passado os último anos da sua carreira como divulgador da causa ambientalista um pouco por todo o mundo. Quando o filme é rodado (estreou-se já em 2006), Al Gore diz que já deu mais de 1000 palestras, na América e por todo o planeta, a falar do aquecimento global e das suas trágicas consequências que muitos não querem enfrentam nem combater, nomeadamente os EUA, que nem sequer aderiram aos acordos de Quioto (os EUA e a Austrália foram os dois únicos países a rejeitarem associar-se ao esforço de contenção industrial na poluição atmosférica).
O filme, que conta com realização de um experimentado Davis Guggenheim, com carreira firmada sobretudo em séries de televisão ("Wanted", “Numbers”, “E.R.”, “Deadwood”, “The Shield”, "Alias", "24" ou “The First Year”, para só citar algumas) parte de um pressuposto central: acompanhar algumas intervenções de Al Gore em sessões de esclarecimento que são filmadas em várias cidades, da América à China. Enquanto Al Gore discursa, com um à vontade e um conhecimento da matéria invulgares, atrás de si vai passando uma apresentação em “power point” sobre as questões do aquecimento global, profusamente alicerçada em estatísticas e demais elementos cientificamente provados que não permitem deixar dúvidas no espectador. Estamos perante um caso gravíssimo, uma aterradora caminhada para o abismo, que só idiotas e espíritos deformados pelo lucro fácil não vêem, ou não querem ver (no filme há alguns exemplos gritantes de ambos os casos, com especial incidência nalgumas personalidades que até conseguiram ser Chefes de Estado. Percebem certamente a quem me refiro.)
A “verdade inconveniente” começa a ser exposta logo desde o início, quando se colocam, uma a seguir à outra, duas fotografias da Terra, colhidas uma pelo Apollo 8, em 1969, outra muito mais recente, tirada pelo Apollo 17. A Terra está diferente, e não se pode dizer que esteja melhor. Al Gore explica que o aquecimento global, provocado pela poluição em grande escalada, está a criar uma camada de protecção da nossa atmosfera cada vez mais espessa, o que impede que os raios solares que a penetram dela saiam depois, criando assim um efeito de estufa que tem consequências tremendas a vários níveis. Neste aspecto o filme é absolutamente deslumbrante de clareza e simplicidade, mostrando como esse aquecimento global pode provocar chuvas torrenciais aqui, aumentar a potência de tornados e furacões ali, desertificar acolá, descongelar a Antárctica, secar mares e lagos, provocar degelos.
Dizem muitos, e às vezes com boas intenções, que essas variações não são dramáticas, acontecem ciclicamente ao longo da História. Verdade que assim foi, é e será, mas convém acrescentar que, de há uns tempos a esta parte, as variações são excessivas. Al Gore demonstra-o com quadros que recolhem cifras cientificamente trabalhadas. Se se mantiver o ritmo, dentro de 50 anos não se pode viver na Terra. Que me importa, pensam alguns, que julgam que já cá não estão. Pois, mas estão os filhos, os netos, desses e de outros que nos devem merecer a melhor atenção. Quando se põe o ouro e o planeta Terra em dois pratos de uma balança, deve pensar-se que o ouro de nada vale, se não existir o planeta. Mesmo na mais estrita perspectiva capitalista e lucrativa, tudo terminará se não houver a quem vender, nem o que vender.
Sobre a tese dos ciclos, Al Gore oferece estatísticas curiosas. Procurou uma amostragem de artigos científicos sobre a matéria, e encontrou “zero” especialistas que aceitassem o aquecimento global como uma questão equívoca e empolada. Ao fazer a mesma amostragem em artigos de imprensa generalista, muito mais dependente do poder económico e politico, mais de 50 % abordam o tema como algo desajustado da realidade e reflectindo apenas orientações ideológicas e políticas. Significativo.
São vários os problemas abordados ao longo destas conversas, e um deles, um dos mais gritantes da actualidade, é a cada vez mais frequente carência da água, um bem de primeira necessidade. Uns querem privatizá-la, outros não a tratam como deviam, aqueloutros esbanjam-na sem consciência. Al Gore alerta para o perigo.

Mas, se tudo isto está no documentário, há muito mais que também lá está e é conveniente não esquecer. Al Gore afirma a certo passo, que “a questão não é política mas moral”. Mas não podemos esquecer que este é um filme “político”, e “político” a vários níveis. Político porque todas estas questões são políticas, reflectem ideologias e consciências diferentes (Al Gore é politicamente diferente de Bush!), mas ainda político porque o filme se mostra um objecto de propaganda política de Al Gore, que se serve da causa ambientalista para assim intervir no combate político norte-americano e mundial. Nada que me repugne. Posso mesmo dizer “Viva Al Gore!”, e vou mais longe: esta obra reflecte o melhor que os EUA têm, aquela zona de dignidade e combate pela justiça, a igualdade e a liberdade que me fazem gostar deste País para lá de tanta coisa e tanta gente que me desgosta. Mas é conveniente “ver” o filme tal como ele é. Até porque me parece mais importante assim: como manifesto político ambientalista. Mesmo a “humanização” de Al Gore, a sua infância, a vida na quinta onde se cultivava tabaco (cultivo que o pai abandonou, por uma questão ética), a morte da irmã, fumadora, com cancro do pulmão, a sua vida como senador, habitando um quarto de hotel em Washington, a doença do filho e o mês passado no hospital, as suas viagens de carro e de avião, o candidato batoteiramente vencido arrastando sozinho a sua mala pelos aeroportos do mundo (e como é simbólica aquela mala!), tudo isso são aspectos que não chocam se percebermos que existem, estão lá, emocionam-nos, manipulam-nos, fazem-nos agradar do homem que luta por uma causa. Ora tudo isso funciona a favor da causa, por isso, sem o esquecermos, alinhamos no percurso.
No genérico final, entrecortadas com as apresentações dos nomes dos responsáveis pelo filme, são-nos sugeridas diversas formas de contribuir pessoalmente para a causa. É imperioso reduzir drasticamente as emissões de dióxido de carbono, e isso consegue-se consumindo menos electricidade, gastando menos gasolina, poupando na água, plantando árvores…
“Neves do Kilimanjaro”, sabe o que são? Leu o livro, viu o filme? Se não se empenhar em reduzir a camada de protecção da atmosfera, não mais haverá neve em Kilimanjaro. Nem, pouco depois, vida na Terra.
Finalmente uma nota ao lado da causa ambientalista, ainda que defender o bom cinema também seja causa ambientalista: mais um documentário entra (e bem, com público) no circuito comercial internacional. Algo está a mudar. O que não pode deixar de nos regozijar: alguns dos melhores filmes de sempre são documentários, uma das artes mais nobres da imagem.
Segundo ponto: é muito saudável, na América de Bush, ver uma produtora, a Participant Productions, produzir obras como “Murderball” (2005), “Good Night, and Good Luck” (2005), “Syriana” (2005), “North Country” (2005), Fast Food Nation (2006) ou “An Inconvenient Truth” (2006). Numa América dividida ao meio, segundo as últimas eleições, é bom saber que a confiança não morreu. Alias, como afirmou o próprio Al Gore, se todos quisermos, conseguimos. O buraco de ozono já está a regredir. Agora há que combater o dióxido de carbono.

UMA VERDADE INCONVENIENTE (An Inconvenient Truth), de Davis Guggenheim
(EUA, 2006), com Al Gore. 100 min; M/ 6 anos.

Saiba mais em:
www.climatecrisis.net

sexta-feira, setembro 22, 2006

DO EDITOR:

MUDANÇA DE RUMO

Não foi por acaso que entrei no mundo dos blogs. Dir-se-ia que fui atraído pelo silvo da serpente. Fui acompanhado nos meus primeiros dias. Gostei de andar por aqui a voar de blog em blog, espreitando reacções, descobrindo personalidades, fantasmas, fantasias. “Conheci” pessoas muito curiosas. (atenção: conhecer, não conheci ninguém: intui conhecer). Gosto de escrever para os outros lerem. Gosto de escrever e ver publicado. Rapidamente. Ser eu a paginar. É bom. Não ter censores, nem editores. Escrever uma linha ou dez páginas.
Em 3 meses de existência deste blog consegui, sem fazer nada para isso deliberadamente, fazê-lo oscilar agora entre as 100 e as 200 visitas diárias. Acho que não é mau. Mas não me preocupo com isso. Se tiver uma visita, é bom, desde que o que escrevo a possa ajudar de alguma forma. A ela e a mim. Mas há quem me leia.
Sem ter conhecido ninguém fisicamente, “conheci” muitos pessoas que me enterneceram, me apaixonaram, me “inventaram” uma blogosfera que se calhar não existe. Os primeiros dias pareciam a descida ao paraíso. Que harmonia! Mas lentamente me apercebi que por detrás da harmonia havia a bajulice, a troca de beijinhos interesseiros, e depois a hipocrisia, as mensagens traiçoeiras a dizerem por trás o que se desdizia pela frente. Aqui também se acoberta muita mediocridade que não teria outro poiso, muita má formação a armar aos cucos, muita canalhice encapotada, muita mentira, muito “engate” que quer passar por não o ser (bela denúncia da china blue, que aqui reproduzi, e que parece encaixar que nem uma luva em certos casos visíveis e risíveis).
Em razão de algum desencanto, não vou parar de escrever. Mas vou acabar toda a referência a outros blogs, a não ser num contexto de troca de impressões. Dou por terminada a secção “um blog (por dia)” e vou reduzir ao estritamente necessário a referência a blogs amigos ou inimigos. Afinal o que me interessa é dar opiniões, escrever sobre o que gosto. Era bom poder-se gostar de pessoas e do que fazem e dizê-lo. Mas não tenho pachorra para hipócritas e convencidos, mal criados e outros que tais. Aqueles/as a que quero bem e me querem bem, ou apenas aqueles/as para que escrevo e me lêem, esses/as por cá continuarão. Esta vida não é para ingénuos. Às vezes gosto de acreditar que é para esses, que são puros. É verdade que os há, e muitos. Mas também existem os “outros”, e que são muitos também.
A partir de hoje, livros, filmes, teatro, politica, música, coisas e loisas, mas fico-me por ai. Cada blog no seu galho, e muitas felicidades para os muito bons que por aí há.
ADENDA
(do dia seguinte):

Alguns comentários e emails merecem uma justificação. Antes de mais, confirmei que há muitos e bons amigos por aqui. A maioria só os conheço ou de nome, ou de nick. Mas sinto-lhes a amizade. Sente-se mesmo. Como se sente o silêncio de outros. Que estão por aqui.
Mas necessito de uma explicação. Não aconteceu nada de grave comigo. Ninguém sequer me ofendeu, ou coisa parecida. Pessoalmente, a minha única desavença foi com uma senhora que tinha uma foto sua publicada no seu blog, e que não gostou que eu a tivesse transcrito para o meu blog. Não foi branda nos protestos, nem eu na resposta, mas retirei a foto (que era pública). Mesmo assim acho que fiquei amigo da amiga da senhora.
Depois tive uma polemicazinha com o Ante_Post. Coisa saudável. São quase todos do Benfica, mas falámos civilizadamente, com ardor, mas sem ofensas. Esse tipo de querelas, não as vou perder, sempre que surgir a oportunidade. Fazem bem à vida. Não há nada pior que um mundo de aparente harmonia, mas de real hipocrisia. A desordem estimula.
O que lamento então?
Alguns factos que realmente me chocaram. Mas que se referem a "outros", apesar de terem "passado" por mim:
- Ter comentado um blog e aparecer um email (anónimo: não se consegue responder, deve ter sido criado e desactivado) a adjectivar de uma forma extremamente grosseira esse blog por mim citado. Vinganças de querelas antigas? Ciumeiras por falar daquele e não doutros? Lamento muito.
- Terem aparecido vários emails, escritos de forma civilizada, é certo, mas a lamentarem-se: que eu falo deste, não falo daquele… "O meu também merecia." Alguns blogs eu nem os conhecia, outros não me apetecia falar deles. Não queria, não gostava, estou no meu direito. Era o que faltava! O que acontece na arbitragem também se propaga para aqui. Acontece que só nomeio os árbitros que acho que o merecem. Não aceito cunhas.
- Finalmente intrigalhadas por detrás do pano. Detesto. Virem-me falar mal deste ou daquela, assinando ou não, mas por email, às escondidas, não faz o meu género. A blogosfera fomenta o anonimato, a cobardia, a hipocrisia. Lamento. Sou mais varina da Ribeira: o que se tem que dizer, diz-se na cara, abertamente. Quem gostar assim, virá por bem. Quem não gostar, abstenha-se. Ganhamos todos.
De resto, claro que vou continuar a falar de blogs. Mas deixa de haver a secção. Desisto das transcrições, para dar o tom do blog. Vou cingir-me a curtas referências, citações, linkagens. Por exemplo: já conhecem o “wasted blues”? Imperdível, de bom gosto, de delicadeza, de cinefília. Adoro a fotografia que identifica o blog. Uma mulher de costas, olhando a paisagem. A preto e branco. Não sei quem o escreve. Mas é de visita obrigatória.

quinta-feira, setembro 21, 2006

CASINO DE LISBOA Auditório dos Oceanos


"SOWETO GOSPEL CHOIR"


Excelente espectáculo. Memorável. Para quem gosta do Gospel e dos “Cantos do Mundo”, este coro que se encontra no Casino de Lisboa, no belo Auditório dos Oceanos, é do melhor que passou por palcos portugueses, neste domínio musical. Não são só as vozes, o ritmo, a música, mas também os bailados, a encenação, a cor do guarda-roupa (que não estiliza, que guarda a humildade dos ofícios donde parte), a vertigem do sons, dos gestos, da alegria que a cada canção explode no palco.
Originário da África do Sul, o “Soweto Gospel Choir” reúne 26 elementos sob a direcção do maestro David Mulovhedzi, reproduzindo elementos culturais, étnicos, musicais, linguísticos de diversas tribos do Sul de África. Ouve-se o cantar em zulu, sotho, xhosa e também em inglês. Assiste-se a um verdadeiro turbilhão em movimento acelerado, um tufão sul-africano que passa pelo palco em hora e meia de um cortejo de preces intercaladas de dor e alegria. Digo-lhe que vale mesmo a pena, e só vai estar até dia 24 de Setembro. Apresse-se. Siga o meu conselho que não se arrependerá.

quarta-feira, setembro 20, 2006

UM BLOG (POR DIA) PARA VISITAR (28)

"SOCIEDADE ANÓNIMA"

"Sociedade Anónima" é chamada "a irmandade dos anéis (uma data de criaturas mais preocupadas com o auto bronzedor e com os saldos de sapatos que com o blog)". Tem como contributos 100 nada, Rita, cecília r., Alice Isabel R., a louca da casa, Ana, Teresa M., Krassimira, china blue, Vera M., Santinha da Casa, Fox Trotter, Arlinda B.
Todas as que li escrevem bem, têm muita graça e dizem como:
"Oh, deixem-me ser gorda, ser gorda largamenteDebicar aqui, provar além...um folhado de salsicha, uma sandes diferenteComer, oh, sim, comer, e não chatear ninguém!"
ou sobre os touros de morte e a liturgia do sangue:
"Nem imaginas o que me divirto a mudar o penso higiénico. É um espectáculo. Se quiseres, combinamos e tu vens cá assistir."
ou ainda:
”Eu tenho fantasias demais para ser uma dona de casa. Acredito que eu sou uma fantasia” Belissimo.
Pode ver ainda no "Desafio" que está abaixo, um texto (o 9) magnífico sobre "Blogues de engate no feminino", escrito por china blue. Uma delicia.
Um blog a não perder, mas atenção: "para maiores de 18 anos, com sólida formação moral"

terça-feira, setembro 19, 2006

DESAFIO

O que é, e para que serve a blogosfera?

Para tudo. O lado “pirata” desta coisa maravilhosa, encanta-me. Ir ali ou acolá, ler livremente o que cada um escreve, colher dali uma foto, dacolá um desenho, um texto assinado ou anónimo, uma música (que ouço só, não sei colocar, nem sequer me interessa muito, se calhar!), tudo isso é fascinante. Oscilar entre George Steiner ou a pornografia (se me apetecer, e claro que às vezes apetece!), ser anjo ou demónio, consoante a colocação da lua, ler merdas inenarráveis de quem não sabe mais do que aquilo que oferece (mas às vezes com que ternura as leio, porque representam a essência de quem as escreve, suspeitando que aspira à arte, como qualquer outro, ou apenas confessando-se, porque abrir-se aos outros é imperioso) ou poemas sublimes, criticas de cinema profundas ou voos esvoaçantes de aprendizes que, todavia, já tocam o sol, descobrir anotações íntimas, despudoramente intimas, ou reflexões sem mácula, que comparamos com outras de sinal contrário, igualmente sem mácula, recolher links para discursos, pensamentos, fotos de sofás, o meu bebé, tudo isso e muito mais é algo de profundamente excitante para o espírito, para a curiosidade de quem gosta de “conhecer” pessoas, personagens, para quem gosta de receber do outro e oferecer do próprio. Julgo que cada um oferece de si o melhor, e tenta receber o melhor. O “melhor” todavia é muito subjectivo. Essa subjectividade é, todavia, o melhor que o melhor tem. Porque ao oferecer o que é único em si, oferece o que faz a diferença. Como já li em muitos locais, já tudo foi escrito, já tudo foi dito. O que não foi feito ainda é ser dito por mim, por ti, por ela. É na diferença das vozes que está a novidade. É ela que interessa. Porque todos somos diferentes. Irrepetíveis. Por isso os blogs são um campo inesgotável de encantamento. Sobretudo quando são sinceros, ou fingem tão sinceramente que são mais verdadeiros que os directos. Por isso certos blogs são de uma chateza absurda: porque não procuram o único, mas o abrangente. Dizer o que todos dizem, mostrar o que todos mostram (e querem ver), tender para o unânismo. Porque trocam a voz única pela lentilha do sucesso fácil. Depois há outra maleita grave na blogosfera, tal como em qualquer outro domínio da comunicação, no cinema, na poesia, na literatura. São os eróticos envergonhados, que ficam a meio caminho entre o que querem e a vergonha de o mostrarem. Prefiro “A Garganta Funda” a “Emmanuelle”, a verdade ao fingimento. Prefiro um blog abertamente pornográfico e ordinário, a um envergonhado que se fica pelas meias tintas “civilizadas”. São iguais no que procuram transmitir, apenas um é coerente consigo, o outro é coerente apenas com a inverdadade. Tudo isto se passa na blogosfera, e esta é fascinante e perturbadora por isso. Mas há aspectos profundamente deprimentes, onde a blogosfera condensa o que de pior há na humanidade (ou desumanidade) de cada um: na trica, na inveja, na maledicência torpe, na vilania escondida sob pseudónimo, na falta de respeito… Aqui como na vida lá de fora (alguns fazem essa ressalva, porque preferem o anonimato ao nome próprio) há fracos e fortes, almas frágeis e durões, tímidos e extrovertidos. Tal como lá fora as aves de rapina tendem a devorar, ou apenas destruir, os mais pequenos e menos adaptados. É o espectáculo degradante, que, aqui como ali, se vê. É o homem na sua pior fotografia. Como todos somos humanos, nada a fazer, a não ser conviver com o horror, mas ir tentando afastá-lo de nós o mais possível. E, se possível, reduzi-lo, mesmo que seja muito lentamente. E não se pode exterminá-lo? Julgo que não. Faz parte do humano. Mas pode-se lentamente ir controlando. A blogosfera seria, se bem aproveitada, um campo de resultados surpreendentes. Basta cada um comunicar ao seu melhor. Falar e ouvir. Escrever e ler. Com conhecidos e desconhecidos. Estarmos abertos ao diálogo, ao confronto, ao que há de diferente no outro. Aqui há palhaços? Claro que há, como em qualquer circo da vida: há os palhaços ricos, que julgam que não são e chamam palhaços aos outros, na sua soberba, há os palhaços pobres que fazem rir e enternecem. Há os saltimbancos de “strada”, na sua fragilidade, há os “clowns” do Barnum, muito estilizados, há palhaços para todos os gostos e feitios. Neste enorme circo (que banalidade!) todos somos, fomos ou viremos a ser algum dia palhaços. Palhaços de nós próprios, palhaços dos outros. Amáveis. Detestáveis. Prestáveis. Divertidos. Humanos, no espectáculo da sua humanidade.
Por que se escreve um blog? Há muitas, milhares de razões, mas todas vão radicar numa única: comunicar, oferecer-se aos outros. Oferecer o que se pensa, o que se sente, o que se ama, o que se detesta, o que se cria, oferecer ao olhar do outro o nosso olhar sobre o mundo. Por mim, faço-o com a humildade de quem sabe que não possui “a” verdade, apenas a “sua” sincera verdade. Mas faço-o com convicção e com frontalidade, a mesma com que sempre o fiz, chamando os bois pelos nomes. Só assim me interessa escrever, bem ou mal. Li por ai algures que escrever bem não chega. É verdade. Uma sinceridade mal escrita vale mais que uma canalhice muito bem encadernada. Mas há na blogosfera portuguesa muitos exemplos dessa harmonia exemplar entre o que se diz e o como se diz.
Sei que não é um tema simples, sequer daqueles que apetece tratar levianamente. Mas há por ai tantos desafios que lanço hoje aqui um aos meus leitores, que se quiserem, e puderem, podem transmitir a outros e alargar a onda. Escrevam sobre “O que é, e para que serve a blogosfera? O que pretendem quando escrevem um post no seu blog?” Façam-me chegar as vossas respostas, por link ou por texto. Vamos reflectir um pouco sobre o que é este espaço atravessado por letras e desejos, fotos e caprichos, músicas e confissões, medos e alegrias, amores e ódios, virgulas e pontos de interrogação, silêncios e dúvidas, certezas e vícios. O vício de escrever, o vício de te amar, a ti que nem conheço, o vício de te dar a mão, o vício de te desafiar. O vício de viver. O vício de contradizer jacques brel: o amor nunca morre. É por ele que temos de lutar. Só morre se o deixarmos morrer. Só morre se desistirmos. Só morre se ns entregarmos à destruição, quer ela venha do Ocidente ou do Oriente, do nosso coração ou do coração do outro.

1º TEXTO RECEBIDO

(Ana Melo, em "Inhospitus Mundu da Ana")

Sábado, Setembro 16, 2006

A teu pedido, meu amigo blogonáutico...
O que é para mim a blogosfera?Li algures que a blogosfera existe como excesso de egocentrismo pessoal, como necessidade de nos afirmarmos aos outros ininterruptamente mesmo que não o mereçamos. Li que um blog é um acto extremamente fútil do ser humano, um pecado de quem o cria, um erro de quem o lê. Li que a blogosfera deveria ser erradicada para não mais impregnar a humanidade com cenas quotidianas desinteressantes, com sentimentos pessoais que a ninguém interessam, com assuntos esquecidos, com temas nada relevantes. Gostaria de conhecer quem escreveu aquilo que li.Tenho três blogues.Um, em construção, será o reflexo da minha futura profissão. Nele escreverei tudo o que entendo ser pertinente na procura de lugares, de saberes e sabores, de paraísos, de mundos e submundos, de ambiente e tudo o que seja ligado ao Turismo. Serei egocêntrica por informar leitores...? Adiante.Linhas Trocadas reflete o meu eu. Sou eu em palavras. Essas descrevem o que me ia na alma no exacto momento em que escrevi. E relato o que me apetece sem esperar algo em troca. Ecrevo porque gosto de escrever. Escrevo porque encontrei ali o meu Diário, que não é diário. Escrevo pois tenho em mim uma enorme vontade de o fazer para libertar ideias, sentimentos, marcos da minha vida. Para mais tarde recordar, talvez. E se está aí alguém ou não, não me interessa. O que realmente me interessa é que quem me quiser ler o pode fazer livremente.E resta-me este blogue que lêem agora. Um blogue em vias de extinção temporária, reaberto a pedido de um amigo. Amigo este que conheço muito bem, embora saiba que ele não me conhece a mim, ou conhece. Outrora trouxe a este espaço assuntos que me deixaram boquiaberta ou que simplesmente me atrairam. Histórias dum país, duma nação, aquela notícia que li no jornal, histórias insólitas, etc. Irá estar congelado, até que me volte a apetecer escrever-lo de novo.Essa é a essência dos blogues: escrevemos o que queremos, porque queremos e quando queremos. Ponto final. É um espaço maravilhoso onde se reúnem milhares de pessoas todas diferentes e todas iguais. Qual hi5, qual fotolog! Aqui existem palavras, sons, imagens. Existe um contacto próximo ainda que distante. Existe compreensão e carinho, existem amizades, existe confiança. Porque eu só leio o que gosto e se não gosto do que leio retiro-me. Lamentavelmente existe quem não o faça mas esses têm mesmo que existir porque é assim toda e qualquer sociedade. Conforme-se quem quiser algum dia acabar com essa espécie má, inoportuna e intolerante. Já dizia a avó da minha trisavó, o que não tem remédio remediado está.Em jeito de conclusão quero fazer um agradecimento a todos os escritores que enchem os meus olhos de boas leituras e que, tal como eu, encontraram aqui um lugar seu, onde tudo é permitido, onde as palavras são rainhas e o pensamento rei.E não me estendo mais, porque o tempo é curto. posted by A.M. at
2:58 PM 0 comments

2º TEXTO RECEBIDO

(Diogo Ribeiro, em "Despojos do Dia")

Sábado, Setembro 16, 2006

O que é, e para que serve a blogosfera?
Primeiro que tudo, é de salientar que o
Lauro António tem um blogue. Convém avisar e não esquecer. Já o visitara antes aquando da sua selecção do blogue da Encandescente como um dos blogues a visitar, e da sua recomendação a uma obra de George Steiner - "A ideia de Europa" - que me escapou pelos dedos hoje (mas amanhã é outro dia).
Segundo, o texto seguinte é uma resposta ao seu desafio feito a todos os bloguistas que por aí andam, a explicar por suas palavras "O que é, e para que serve a blogosfera? O que pretendem quando escrevem um post no seu blog".
Caro Lauro, esta é a minha opinião.
Poderei estar errado mas penso que tentar julgar o fenómeno da blogosfera é pernicioso se nos cingirmos à sua manifestação mais recente. O fenómeno em si tem vindo a crescer e não é tão novo quanto isso. Desde que a interner ganhou algum momentum que tem sido possível criar páginas web com o mesmo tipo de conteúdo. A grande revolução veio por meio da facilidade com que agora qualquer um pode gerar e mostrar conteúdo. Toda a novidade resulta de tratar o conteúdo como se de um diário se tratasse: temos o conteúdo, introduzimo-lo numa página e publicamos. Em alguns segundos os fragmentos da nossa vida já estão em aberto, expostos.
A razão pela qual a blogosfera em si é um fenómeno galvanizador de massas – além da já referida facilidade que tem sido gradualmente introduzida nas tecnologias disponíveis - tem mais que ver com o culto da celebridade e de a linha que divide o homem comum da celebridade em si ser cada vez mais reduzida, do que necessariamente com um desejo natural de expressão. É um triunfo da aspiração a ser algo sobre a intenção de realmente ser algo. Um culto de afirmação. A necessidade humana de adaptação, de ser, mais que um animal social, um animal com um posição hierárquica numa meritocracia – neste caso, virtual. O número crescente de tecnologias e de formas de comunicação está a permitir ao cidadão comum abstrair-se da sua vida, da sua rotina – a elevar-se acima dela. Antigamente as estrelas de cinema faziam-se com contractos multimilionários, grandes orçamentos, majestosos cenários, luzes, câmaras, acção. Hoje, qualquer pessoa com uma câmara de filmar e uma simples (e cada vez mais barata) ligação à internet pode ser vista e avaliada por milhões em segundos – via algo como o YouTube. O progresso, a velocidade da vida, a formatação de um modo de viver que cada vez mais disponibiliza fantasmas de sonhos a todos. A fama, como um qualquer produto que outrora só estava nas mãos de uma elite social, é agora instantâneo, facilitado como um produto de supermercado. A luta de classes é agora uma luta de massas, o proletariado já não oferece apenas força de trabalho mas entretenimento; já não recebe apenas salários mas também audiências, hits, visitantes por dia. A condição humana a um download de distância.
Na contemplação e reflexão da nossa natureza isto traduz-se num panóptico no qual não nos reduzimos a uma inspecção mas sim também a uma avaliação. Um asilo que filma um lunático mas que lhe disponibiliza a visualização de todos os outros que estão presos com ele. E na natureza humana, há algo que nos atraia mais do que nós próprios? Já Pierre Boaistuau o dizia nas suas Histoires Prodigieuses (1560), que não havia mais nada que despertasse tanto o espírito humano, nada que impressionasse os sentidos, ou que provocasse tanto terror e admiração simultaneamente do que os monstros, prodígios e abominações através das quais víamos os trabalhos da natureza invertidos, mutilados e truncados. E é isso que a blogosfera representa na sua essência, a atracção que temos pelo circo de nós próprios, por todo o acto circense que vai desde as atrocidades até às banalidades mais humanas. As anotações, as inseguranças, as intimidades, as dúvidas, os pequenos crimes, a pornografia, a reflexão, toda aquela subjectividade, tudo aquilo que somos exposto e dissecado por pessoas que bebem as nossas palavras, respiram as nossas imagens, vivem momentaneamente o que somos num fascínio voyeurista que se espalha a cada novo blogue na constelação da enorme blogosfera. Tudo o que somos, tudo o que podemos ser, livre, sem barreiras, à espera de ser dito por nós e encontrado pelos outros. O eu como livro de regras, religião, dicionário, pronto a ser desfolhado e adoptado.
Sem me incluír ou excluír directamente nesse tipo de fascínio, julgo estar a ser honesto quando digo que a minha própria relação com o acto de blogar será talvez um olhar sobre um diamante de possibilidades, cada face uma maneira, uma hipótese diferente de encarar a situação. Não admito a hipótese de um qualquer egotismo, pelo menos no sentido de um exagero de personalidade; nunca fui adepto de exagerar aquilo não vale a pena ser exagerado. É antes um fechar de portas ao ruído, à análise e a à luta exterior; é uma força da natureza e ao mesmo tempo é um filtro, uma censura; é fechar as portas da consciência mas deixar as janelas abertas para que circule o ar da expresão; é simplesmente não estar lá e no entanto ser visto por todos; é uma salvação. É uma certeza num presente que duvida de tudo, de si próprio, mas que deve continuar a vir de mim vir até mim, para me assgurar de quem sou e como sou. Cada blogue é um ponto de fuga de uma perspectiva de realidade que as redes de comunicação global nos apresentam, é o mundo ersatz onde o homem se consegue definir melhor: o homem, o redentor, o profeta de si próprio. Onde a isolação do escriba já não é um obstáculo nem considerado uma fuga da realidade mas sim um portal para todo o lado, para um outro aspecto da mesma realidade, a omnipresença de um qualquer deus desafiada por meros mortais.
O hábito de criar um jornal ou um registo não passa pela superficialidade da anotação do dia a dia. É uma viagem pela contradicção do meu próprio ser. Sim, há um dia a dia que surge na minha escrita mas não é necessariamente o dia a dia que vivo. Há registos confessionais sem serem verdadeiras confissões. É uma honestidade brutal que nunca chega a magoar a quem é dirigida. Ao escrever um post num blogue, ou a escrever um texto com a intenção de o publicar num blogue há um processo semelhante ao de uma abstração cubista, aplicada a mim mesmo – a quebra do eu, a análise do eu, e a reconstrução do eu. O resultado final é quase sempre um conjunto de interpretações diferentes do que sou originalmente, várias ideias divergentes que partem de um centro de verdade mas que não remetem o leitor directamente para lá. Não é o mesmo que uma escrita dadaísta ou futurista; é antes um exercício básico de interpretar a forma e recriá-la sem passar pela destruição da mesma. A vantagem deste processo é que permite a descoberta do íntimo e evitar um certo grau de corrupção na avaliação do próprio; penso que há maior discernimento quando nos analisamos sem influências, expectativas ou ideias feitas. Quer seja num poema ou num texto, tento sempre encarar um post como uma reflexão – semelhante a uma escrita automática – que me permite abrir as portas da barragem, de assumir todas as dicotomias do pensamento, do sentimento, da memória, e de navegar por elas até chegar aonde todas elas confluem.
A noção de que estou a fazer esta viagem e de que outros a podem acompanhar pode passar por um certo ideal romântico de fama, mas não tenho essa ambição. Entretenho a noção, mas não satisfaço a ambição. Gosto de escrever, como método de terapia, auto-análise, de fuga, de interpretação e entendimento de realidade. Se exponho o que escrevo não é por procurar aceitação mas por querer partilhar a viagem com outros. Não é uma busca pela fama – já queimei literalmente centenas de textos por não gostar deles, por achar que já não reflectiam a minha realidade. E nunca soube sequer aceitar elogios que professores me faziam em termos de escrita. A hipótese de publicação de trabalhos é algo surreal e que só me atrai porque, como o mais comum dos mortais, tenho contas a pagar. Não é uma qualquer ideia distorcida de que sou um génio – antes pelo contrário, em muitas coisas até me encaro como alguém medíocre que leu livros a mais e que agora tem que soltar todas as ideias que o assombram. O que me interessa é o mais puro e simples hedonismo que encontro na descoberta do ser e do sentir, e de afirmar sem pejo “isto é quem eu sou, isto é como eu sinto”. E espero conseguir continuar a fazê-lo. E que o blogue me ajude a fazer isso. Diogo Ribeiro at
19:48

3º TEXTO
(Matilda Penna - em "
nanbiquara" - Bahia - Brasil)

"O que é, e para que serve a blogosfera? O que pretendem quando escrevem um post no seu blog?"
Bom, a blogosfera é um universo feito de muitas galáxias, cheio de estrelas, de satélites, meteoros que desabam sobre nossos blogs, cometas que passam, enfim, é uma mostra da sociedade, do mundo, dos humanos, do nosso jeito de ser humano, diverso, multiplo, facetado, igualzinho mesmo.
E serve para as galáxias juntarem planetas, para as estrelas brilharem, para os satélites refletirem luares esplendorosos ou não, muitas vezes os céus estão cobertos de nuvens, serve para os meteoros fazerem estragos, rombos nas nossas superfícies, para os cometas deixarem rastros brilhantes, enfim, serve para os diversos tipos de desabafos que a humanidade comporta dentro dela, para cada ser humano, único e diverso nessas constelações se mostrar, expor suas idéias, criar seus tipos, deixar seus alter-egos em forma de letras ou fotos ou sons.
E quando escrevo meu blog não pretendo nada, que nem pretenciosa sou, ora, :).
Um blog ou o formato de um blog sempre foi algo que desejei que existisse, desde que aprendi a lidar com computadores, algo fácil e simples de por no ar e onde eu pudesse, virtualmente, continuar meus cadernos com capas de flores onde eu escrevia crônicas, pensamentos, versos, pedaços da minha alma que estavam piscando na hora que pegava o lápis e tinha o papel branco na frente. Quando o formato blog surgiu, pronto, transferi meus cadernos para a internet, desde 2000 que tenho blog, vários, com nomes diversos, porque, ou o site de hospedagem acabava ou eu mudava ou o computador quebrava, enfim, ao voltar voltava com novo nome, novas cores, mesmo jeito, crónicas, versos, pedaços de meus livros, coisas que minha alma estava engasgada no momento exato de postar, nunca fiz diários, meu blog não é diário, o que escrevo pode ser uma lembrança vinda da infãncia ou ser algo que acabou de acontecer ou que nunca aconteceu mas desperta minha inspiração, enfim, um blog para mim é o meu caderno com capa de flores, em versão moderna, onde ponho meus escritos, minhas crónicas, meus poemas e meus encarrilhados, do meu dia a dia efetivamente tem muito pouco. Se lêem e gostam, fico admirada, satisfeita, toda prosa mesmo, aliás, prosa é o que mais tem no meu blog, imagens pequenas e poucas, assim como você como cineasta é amante das imagens eu sou amante das letras, gosto de escrever e vou escrevendo e o formato blog propícia isso, maravilhosamente.
E é isso, mas não é isso só... Matilda Penna (
http://nanbiquara.blogspot.com/).

4º TEXTO

(Xilla, em "confidências")

Setembro 2006 {Desafio aceite}

Resolvi aceitar o desafio do Lauro Antonio aApresenta : "O que é, e para que serve a blogosfera?", por uma simples razão, desde que criei o meu primeiro blog (já lá vão uns aninhos) li inúmeros textos que tentaram definir "a blogosfera", até eu cai em tentação, há bem pouco tempo, mas nenhum conseguiu, a meu ver, dizer tudo e tão bem como o Lauro António no post de 16 de setembro de 2006. Desde já os meus parabéns.
A 18 de Abril de 2006 escrevi o seguinte post: "Sempre defendi que um blog é o que cada um quiser fazer dele, uns escrevem diariamente , outros nem por isso , uns usam-no para desabafar, outros para criticar, outros para nada e para tudo. Uns gostam de sentir que alguém os lê e têm caixa de comentários, outros estão-se literalmente nas tintas. Desde o início defendo que todos os blogs são válidos desde que preencham de alguma maneira o seu autor. Por esta razão nunca fiz nenhuma critica generalista ou concreta. Mas já há algum tempo que alguns blogs me fazem confusão porque a única coisa que os move são números, não se preocupam com conteúdos, mas com visitas e para o conseguirem usam de tudo numa tentativa desesperada de chegarem a Tops. É triste, mas é assim que vai a "blogosfera""
Passados 5 meses continuo a ter a mesma opinião, e cheguei a conclusão que desde o início que este problema existe, eu é que andava maravilhada (leia-se cega) e não dei conta :)
Hoje gasto um décimo do tempo que gastava nos meus blogs, sobraram 2 , o “confidências” que criei para partilhar com um grupo de amigos e o “diário de um logótipo”, uma espécie de diário de um trabalho que ficou de borla e que deu muita dor de cabeça, obstáculos na vida de uma designer gráfica. O saldo ainda continua positivo, ainda me da gozo criar o layout, escrever, postar os meus trabalhos e as minhas brincadeiras, mas já não me identifico minimamente com a chamada "blogosfera", cada vez mais parecida com o "mundo do
futebol" :) Confidencia de Xilla 4:31 AM

5º TEXTO

(Hugo Alves - "Amacord")

Hugo Alves disse...
Mas que belo desafio. Eis o adiantar de algumas ideias:

- estamos numa época em que a imprensa escrita está em crise e parece ter votado ao abandono certas áreas, designadamente o Jornalismo dito cultural. Alguma blogosfera acaba, pois, por tentar colmatar essa lacuna.

- esta é a época em que se publicam muitos livros ditos light, acabando por fechar a porta a muito potencial escritor de talento. Também há por aí blogs que mais não são do que o sítio onde cada um se pode, por assim dizer, auto-editar.

- e depois, claro, há os que se dedicam às suas paixões, os que mostram curiosidades, os que se dão, os que incentivam o diálogo.Talvez seja este o Admirável Mundo Novo da palavra e da imagem. Eu gosto. Muito. E, sinceramente, acho que tal como na literatura, não demorará muito a classificação de blogs: thrash, erudito, especialista...etc.O que importa é que, desde que fomente a discussão - mas com elevação!

- um blog será útil. Porque a troca de ideias é sempre o primeiro passo para tentar alcançar a Verdade. Mas isto digo eu, que sou um idealista por natureza.Abraço,
Domingo, Setembro 17, 2006 8:50:03 PM

6º TEXTO

(Teresa - sem blog)

Tereza said...

Caro Lauro,

Não tenho blog. Não sei se algum dia terei um. Contudo gosto de espreitá-los. Nunca foi tão fácil mergulhar no pensamento humano, seja lá o que for e o que pensa esse ser humano. E, particularmente, gosto deste universo que ora nomina-se "blogosfera":). É como um grande Big Brother virtual. É algo instigante, que atiça a nossa curiosidade. Isto, na verdade, também pode ser um grande confessionário virtual. E é uma delícia ler tantas confissões...Tornarmo-nos íntimos do pensamento de quem nunca vimos na vida. Porém não nos coloquemos de papel de padres austeros, juízes severos. É inútil e fora de hora. Temos mais é que aproveitar a abertura para tantos mundos, para tantas verdades ( e que bom que há tantos!). Que venham mais!!! Segunda-feira, Setembro 18, 2006 4:09:30 AM

7º TEXTO

(Tomás Vasques - "Hoje há Conquilhas")

Setembro 17, 2006

O que é, e para que serve a blogosfera?
Meu caro
Lauro António: respondendo ao seu desafio, de forma sintética, direi que a “blogosfera” é a mesa do café, o largo da aldeia, a sociedade recreativa, onde cada um bota opinião, diz bem, diz mal, despeja emoções, sentimentos, conhecimentos e sei lá quê mais: participa, comunica e convive. É, de um modo geral, a voz do povo (quase – é preciso ter computador) descalço que se pronuncia sem esperar por eleições. Caminha para a democracia participada a sério, sem aquelas encenações de Porto Alegre onde só participavam os militantes dos partidos políticos. É para ter em consideração e não se assustarem* com isso…
*(
Hoje a blogosfera é território exclusivo de adolescente (os “queridos diários” de antigamente), feirantes de vaidades, autores frustrados que só ali conseguem publicar-se, almas solitárias à procura de um qualquer eco, e também – certamente – de espíritos generosos que fazem doação militante das suas ideias).
posted by tomasvasques at
11:49:00 PM

8º TEXTO

(Sony Hari - "Gola Alta")

Check-up blogosférico

Um desafio é sempre um desafio, e este do Lauro António pareceu-me tentador. O que é, e para que serve a blogosfera?

A blogosfera é um espaço "camaleónico", veste-se e pinta-se de acordo com a necessidade, conveniência, objectivo, tara e mania de cada um. Os autores de blogs podem mudar de estilo, de rumo, de tom sem pedir autorização. Não precisam dela, é verdade, mas acho que a maioria se alinha pela estabilidade do registo, até por uma questão de coerência e também de fidelização de leitores (parece conversa de Bancos e operadoras de telemóveis).

Se pudéssemos observá-la do céu, a blogosfera seria uma imensa manta de retalhos, quadradinhos de posts, uma rede de layouts, para todos os gostos.

Apesar de nada vender, e nada comprar, a blogosfera é também um mercado de palavras, algumas soltas, muito soltas, quase sem parentesco, outras que se transformam em textos de qualidade razoável, às vezes boa, e muito raramente excelente. Os que acho muito bons (falo dos posts), sinto até alguma vergonha por poder lê-los e não pagar nada. É que às vezes compram-se jornais e revistas com tanta porcaria, e editam-se livros sobre coisas que não lembram ao diabo, e pagamos por eles!? Também há o outro extremo, aqueles blogs (e seus posts amestrados) que nem que me pagassem eu lá voltava, porque são um espaço de depressão, de angústia e de pobreza de espírito. Chego a sentir tonturas e falta de ar.

O meu blog serve, sobretudo, para poupar papel e caneta. Já tenho pouca paciência para escrevinhar em papéis, agendas e bloquinhos, e confesso também que a minha caligrafia se degrada a cada dia que passa (tenho pena!). E como cheguei à conclusão que o que escrevia podia interessar a uma ou duas pessoas, quem sabe meia dúzia, achei que não havia mal em abrir uma porta e colocar o reclamo luminoso.

Acredito que a blogosfera está aí para ficar e que tomará formas cada vez mais complexas e diversas (se ainda é possível mais diversidade). No dia em que o encanto se quebrar, sairei como entrei, faça chuva ou faça sol, num recolhimento silencioso, e levarei o rasto cor-de-rosa comigo.

Obrigada. Sony Hari

TEXTO 9
(china blue – "Sociedade Anónima”)

Com a devida vénia (espero que a autora, e cúmplices de blog, não se importem; se importarem digam, eu retiro), transcrevo de um blog, “Sociedade Anónima”, um texto que, embora só aborde uma parcela, mas muito grande da blogosfera, me parece particularmente interessante e se enquadrar muito bem neste “desafio”. O texto já tem uns dias, mas continua de uma enorme actualidade (e continuará). O blog é muito bom, bem escrito, divertido, irónico, incomodativo, irreverent e etc., e tem aquilo que já defendi por aí, sobretudo na polémica sobre “Angel-A”: mais vale assumir que andar sub-repticiamente a sugerido, com coragem para se chamar os bois pelos nomes. Bom bogs, que entra na lista dos blogs a aconselhar. Aliás não podia ser de outra maneira, quando alguém nele escreve: ”Eu tenho fantasias demais para ser uma dona de casa. Acredito que eu sou uma fantasia” Belissimo.

10.7.06
Blogues de engate no feminino

Bom, então para desviar um bocadinho do tema horny sex (ou nem por isso) e porque o prometido é devido, vamos a isto. O tema é delicado, afinal, vou falar das minhas irmãs de sangue, de mim própria. Este é, portanto, um post longo (fica feito o aviso), algures entre o levantamento demográfico e a auto-ajuda, no qual abundarão as analogias com a lei da selva, por motivos óbvios.
Assim (e ao contrário dos masculinos), nos blogues femininos impera a biodiversidade de estratégias, temperada por mais subtileza e uma maior determinação férrea, pelo que não é fácil reduzi-los a meia dúzia de estereótipos para efeitos de dramatização. É que, se os homens não têm vergonha em mostrar que andam à caça, já as mulheres fazem questão de assumir o papel de presas distraídas (e nunca de predadoras - que é o que, na verdade, são).
Em primeiro lugar, uma blogger disponível tem que mostrar que o está, porque a maior parte dos homens (solidários com a sua própria espécie) não estão por aí além interessados na invasão do território alheio. No entanto, também não convém aparentar demasiada inexperiência, que o tempo da desfloração de virgens já lá vai e hoje em dia ninguém está para ensinar nada a ninguém (nos tempos actuais não se perde tempo na cozinha: é enfiar refeições prontas no micro-ondas e comer). Ora, como se conjugam estas duas vertentes? Simples, escrevendo sobre uma relação mais ou menos acabada e que não tenha dado certo: à disponibilidade do presente junta-se a experiência amorosa do passado, ao mesmo tempo que se aproveita para alardear a sensibilidade estética e artística através de poemas, quadros, fotos e prosa poética, de preferência da própria lavra (nisto, fazem o mesmo que os gajos).
Como forma de acautelar a chegada da mensagem ao receptor, a blogger à procura tem o cuidado de fazer constar da sua lista de linques quase só blogues de homens, de preferência listados pelo nome verdadeiro dos seus autores. Pelo meio, põe uma ou outra gaja para disfarçar. É um facto comprovado: este tipo de mulher detesta todas as outras bloggers e mulheres em geral, olhando-as como fêmeas que lhe disputam os machos alfa; no entanto, e para não dar muita bandeira, escolhe sempre uma ou duas daquelas bloggers mais totós (as nerds que vivem para socializar através dos comentários, tadinhas), de quem se finge amiga e que acalenta em respostas, nos mails, etc. Numa vertente mais extrema, a blogger é machista e misógena: despreza as outras mulheres, achando-se a única digna representante da espécie e acredita que a raça masculina é a única por que vale a pena esforçar-se (problemas com a mãe e assim). Escusado será dizer que o arremesso público da sua disponibilidade aparente é independente da disponibilidade de facto: uma blogger pode andar à procura, e ser casada, namorada, amancebada, whatever (a solidão encontra sempre buracos por onde entrar e se instalar). O que interessa é dar a imagem de que não o é, para não espantar a freguesia.
De seguida, há que ter o cuidado de colocar no perfil uma foto verdadeira meio disfarçada no photoshop (se a gaja for efectivamente boa), onde realça um ombro, um olho, um joelho, ou então uma imagem de uma outra gaja boa (no caso de ela própria, blogger, ser um estafermo e ter consciência disso). Depois, é arranjar um nome evocativo de heroína trágico-boazona com laivos de sedução místico-erótica, assim tipo lady godiva, mata-hari ou china blue, e não indicar o autor das fotos com partes do corpo eventualmente a descoberto, deixando no ar a dúvida se aquela maminha que se antevê será, ou não, da que se assina lady godiva, ou se aquele cavalo branco da foto do post de sábado, foi, ou não, efectivamente montado por ela em pêlo.
É claro que uma blogger destas, por mais desesperada que esteja, não pode entrar a matar, pois sabe que espanta mesmo a homenzarrada mais afoita, pelo que, nos primeiros tempos de blogue, convém mostrar-se self-centered q.b. no seu desgosto amoroso (imaginário ou não). Há que cuidar de não cair na lamechiche excessiva e de não abusar das reticências (o que é quase impossível: o mulherio adora as possibilidades em aberto que advêm de umas boas reticências). Se opta por seduzir pela vertente estritamente intelectual em vez da romântico-lamechas e resolve ter opinião, não pode ser demasiado assertiva, pois tal também espanta os homens que, fascinados embora com as suas eventuais inteligência, argúcia e capacidade argumentativa, fogem a sete pés com medo do confronto: nenhum gajo gosta de uma blogger de calças. Eles até acham graça à converseta do morra o macho pim! (atrai-os a perspectiva de domarem a fera e de lhe dobrarem os ossos), mas convém não exagerar.
Uma coisa que estas bloggers têm especialmente em atenção é o fazerem coincidir a música, em especial a letra, com os seus estados de espírito, pois é assim que enviam mensagens subliminares aos potenciais pretendentes. Tipo, e hoje rola aqui no gira-discos do engate, you had a bad day, de james blunt, porque também eu, coitadinha de mim, tive um dia para esquecer, merda, ai a minha vida iadaiada, não me queres vir consolar. Também gostam de mostrar que são um bocadinho malucas, pá! e que até dizem algumas asneiras quando é preciso, especialmente quando estão chateadas, vão no trânsito, apanham bebedeiras, gritam com as empregadas nas lojas ou desafiam o patrão que lhes olha para o rabo ou para as mamas (sempre fantásticos). Para contrabalançar, volta não volta deixam cair informações soltas sobre teses de mestrado ou cursos de especialização extraordinariamente difíceis por acabar, para que se perceba que, apesar de estarem sozinhas e serem boas como o milho, não são estúpidas.
Um outro aspecto engraçado: como todos os homens são tendencialmente voyeurs (os bloggers, então, nem se fala - se não, não seriam bloggers mas outra coisa qualquer), a blogger vai deixando cair poemas ou opiniões que demonstram inequivocamente a sua forte e encantadora personalidade, bem como bocadinhos da sua intimidade. Como quem não quer a coisa, lá vem a copa de soutien que usa, quanto mede, a cor dos olhos, do cabelo, o peso (pesam sempre menos de cinquenta e cinco quilos e a maioria tem olhos verdes, o que é extraordinário, pois ficamos com a sensação de que a blogoesfera é uma afiliada da Central Models), a curva do pescoço, a frescura do ombrinho... É claro que algumas, mais desesperadas, perdem completamente a noção do decoro e acabam a elogiar-se desmedidamente nas suas características físicas e intelectuais, como se fossem espelhos mágicos de si mesmas, o que se torna patético - mas com as malucas super-hiper-extra não vou perder, nem o meu, nem o vosso tempo. Adiante.
Também costumam dar a entender que até sabem cozinhar (embora odeiem o corropio doméstico, brrrr!, pois são muito independentes), mas sempre na onda da nouvelle cuisine, onde usam ingredientes difíceis tipo cardamomo, acelgas e gengibre (são poucas as que assumem que não sabem estrelar a porcaria de um ovo ou, então, que admitem que o que gostam mesmo é de se alambazarem com um cozido à portuguesa cozinhado por elas... o que seria manifestamente grosseiro). Por princípio, têm gatos (mais raramente, cães) aos quais devotam enorme carinho, como se dissessem a quem as lê, vêem?, em vez do félix podias ser tu, aqui enroscado no meu colo e eu a coçar-te as virilhas, pois tenho muito amor para dar, não sei se já percebeste.
Depois, os métodos de aproximação. As mais espertas elogiam sem parcimónia, pois sabem como os homens se pelam por amostras de admiração vindas do sexo fraco, como se vendem por uma fracção da admiração feminina: quanto mais bajulação, melhor. Um breve comentário a mostrar como perceberam o sentido do post do gajo (apesar de este parecer ter sido escrito em sânscrito) e o dito fica logo de anteninhas levantadas. Segue o link, dá com a imagem de um mamilo alçado e com um desabafo de amor em três linhas (os posts têm de ser curtos, se não o gajo maça-se e baza), um comentário por troca e trucas! , está estabelecida a comunicação. Elas também gostam de usar um outro método mais subtil, que é o de se fingirem de lorpas quanto a templates, códigos html e quejandos: opáaa!, apaguei o blogue sem querer, buáaaa, alguém me ajuda? Alguém me põe uma musiquinha que eu não sei como?, e por aí fora. Na verdade, existe sempre maneira de despertarmos o cavaleiro andante que existe em cada blogger-gajo, designadamente fazendo-nos de tontinhas que precisam de ser salvas das garras da ignorância informática. Nunca falha.
Entabulada a conversa vem a parte das fotografias via mail, olha lá como é que sou, e aqui elas tendem a aldrabar e a enviar fotos de quando eram muito mais novas, mais magras e relativamente mais favorecidas pela mãe-natureza (fotos com, digamos, para aí uns dez ou vinte anos de atraso). Algumas chegam ao cúmulo de enviar fotos de fim de curso (quiçá por ter sido essa uma das poucas alturas em que alguém se terá dado ao trabalho de as fixar com alguma atenção, nem que fosse apenas o fotógrafo de serviço: estamos a falar de muita tesão mas também de muita solidão, é preciso não esquecer).
É claro que, a seguir, se vêem metidas num pau de sete varas e prolongam a relação virtual até ao limite do impossível, ou seja, até o gajo se fartar de apalpar o ar e se babar para o ecrã e partir para outra. Ficam a arder, claro está, mas no fundo já estão habituadas: a vida destas mulheres que remexem nos fundos virtuais da blogoesfera a ver se encontram algo que lhes sirva é, fundamentalmente, cerzida a suspiros em frente a um ecrã, seja de PC seja de televisão. Aliás, o ponto universal de partida para se ter um blogue, seja ou não de engate, é sempre o mesmo: darmos vazão a uma espécie de loucura contida e arremetermos contra a solidão que nos infecta, mesmo que vivamos rodeados de pessoas e tenhamos que nos fazer ouvir aos gritos.
E sabem que mais? Eu até acho muito bem que através dos blogues e dos expedientes que atrás referi (e de muitos outros), homens e mulheres, e homens e homens, e mulheres e mulheres, se engatem, se apaixonem, se desenganem, se comam, se adorem, se embirrem, se detestem, se precisem, se dispensem... whatever, e driblem assim as suas intrínsecas solidões. O que me irrita um tinnytinnylittlebit é andar tudo a fingir que não se está cá para isso. Olecas. posted by china blue at 6:09 PM
para ver os comentários a este texto, ir a :
http://soc-anonima.blogspot.com/2006/07/blogues-de-engate-no-feminino-bom-ent.html

Infelizmente não descobri nenhum texto sobre blogs de engate no masculino. Será por serem tão infelizes quase todos?


TEATRO EM LISBOA

" PEDRAS NOS BOLSOS"
no Mundial
de Marie Jones
(boa versão portuguesa
de Marta Mendonça)
encenação de Almeno Gonçalves
com Alexandre Ferreira
e Heitor Lourenço.
Inteligente, divertido,
muito cinematográfico,
bem representado.
Voltarei ao local deste crime,
para desenvolver o comentário.

TEATRO EM LISBOA

"OS ENCANTOS DE MEDEIA"
TEATRO NACIONAL D.MARIA II
Com espectáculos a este ritmo,
não dou vazão,
em tempo útil .
Belíssimo este "Os Encantos de Medeia",
em marionetas,
abrindo um ciclo dedicado
a António José da Silva (O Judeu).
Não percam.
Eu voltarei a este post,
para o completar.
Entretanto fica o aviso!"


PRÉMIO FNAC
NOVO TALENTO FOTOGRAFIA
Quinta feira, 21 de Setembro de 2006
Forum Fnac Chiado
19 horas

Entrega dos prémios a

Nelson d'Aires

Ivo Dias de Sousa e João Paulo Aça

Teresa Sá

(parabéns Teresa, lá estarei,

não me esqueço que estou ligado

ao teu primeiro prémio.

Nada como boas apostas!)

TEATRO EM LISBOA



“THE PILLOW MAN” – O HOMEM ALMOFADA


“The Pillow Man”, de Martin McDonagh, é uma peça de teatro particularmente interessante nos temas que aborda, mas também muito inquietante na sua formulação. De todas as formas é um magnífico espectáculo de teatro, com uma forte e austera encenação de Tiago Guedes (mais conhecido como realizador de televisão e cinema: a ele se deve, por exemplo, a co-autoria de “Coisa Ruim”) e uma interpretação de uma qualidade média acima do normal em palcos portugueses, assinada por Albano Jerónimo, Gonçalo Waddington, João Pedro Vaz, e Marco D’Almeida.
Deduz-se do desenrolar da peça que nos encontramos num país europeu, debaixo de uma ditadura. Numa delegação da polícia, um escritor de histórias infantis, é interrogado. Ele escrevera algumas histórias para crianças bem perversas e outras de um sadismo inequívoco. Agora os agentes da autoridade confrontam-no com a semelhança das suas histórias e três mortes de crianças ocorridas recentemente. O interrogatório é violento, toda a peça é de um a tensão dramática quase insustentável. As histórias de Katurian, o escritor, vão sendo lidas, as versões dos crimes vão-se descobrindo, e uma das mais emblemáticas é mesmo a historio do “Homem Almofada” que convida as crianças a suicidarem-se, para assim não passarem por vidas de sofrimento que se avizinham. O homem almofada acabará por actuar no próprio irmão do escritor, que sofre de um atraso mental, se encontra fechado em casa, excepto dos dias em que resolve tornar reais as ficções de Katurian.
A construção dramática é simultaneamente simples e complexa, com vários registos de narrativas interligados, mas a encenação de Tiago Guedes torna-a clara sem a banalizar, muito pelo contrário. A direcção de actores é, também ela, muito boa, com destaque para os dois protagonistas.
O inquietante nesta história são as conclusões que a peça pode levar o espectador a retirar. Legitimamente. Que os Estados totalitários, servidos por polícias fortes, até têm razão de existir, tais as taras dos cidadãos que povoam as cidades e cometem crimes horrendos; que a arte deve ser regulada, seguida (censurada?) pois a perversidade de alguns criadores, pode levar cidadãos pouco preparados a re-inventar na realidade essas perversidades lidas, ouvidas, vistas.
Uma peça que justificaria um amplo debate, tanto mais que vai ficar seguramente como um dos grandes espectáculos encenados em 2006 nos palcos portugueses.
A nova direcção do Maria Matos (Diogo Infante, e quem o escolheu) está de parabéns pela forma como deu a volta a uma sala que se tornou excelente, agora com magnificas condições e uma boa programação.

Martin McDonagh é irlandês e escreveu antes de “The Pillow Man”, “The Cripple of Innishman”, “The Beauty Queen of Leenane”, “A Skull in Connemara”, “The Lieutenant of Inishmore” e “The Lonesome West”, afirmando-se como um dos grades dramaturgos actuais de língua inglesa, com uma propensão muito forte para temas violentos e humor negro.

“The Pillowman” estreou a 7 de Setembro no Teatro Municipal Maria Matos e estará em cena até 15 de Outubro, no horário de 4ª a sábado às 21h30, domingos às 17h00.
Encenação e tradução: Tiago Guedes; Interpretação: Albano Jerónimo, Gonçalo Waddington, João Pedro Vaz, e Marco D’Almeida; Cenário e animação: Jerónimo Rocha, Joana Faria, Nico Guedes; Figurinos: Carolina Espírito Santo; Música original: Hugo Leitão; Desenho de luz: José Álvaro Correia; Produção Teatro Maria Matos 2006; duração do espectáculo. 120 min; classificação M/16 anos.

Outras encenações de The Pillow Man (inglesas e americanas)